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Coletivo de proteção à embaixada da Venezuela desafia ordem ilegal de ‘não invadir’

Ativistas ocupam o prédio já faz mais de um mês, com autorização do governo venezuelano, para impedir que os EUA o entreguem ao representante de Juan Guaidó. Desde 24 de abril, quando os diplomatas venezuelanos foram embora, o coletivo enfrenta o assédio de grupos pró-Guaidó acampados na frente da embaixada, e das autoridades americanas, que impedem a entrada de alimentos e bebidas e na semana passada cortaram o fornecimento de luz e água. Na segunda-feira, a polícia tentou despejar os ocupantes com uma “ordem judicial” sem assinatura. Leia o artigo de Medea Benjamin e Ann Wright, duas das líderes do movimento.

Coletivo de proteção à embaixada da Venezuela desafia ordem ilegal de “não invadir”

À medida que essa saga sobre o futuro da embaixada venezuelana em Georgetown continua a se desenrolar, a história vai lembrá-la como um momento de virada nas relações EUA-Venezuela

Medea Benjamin e Ann Wright

(Publicado por Commondreams.org e traduzido por Renato Martins)

Uma série de eventos extraordinários está se desenrolando na embaixada da Venezuela em Washington (DC), desde que o Coletivo de Proteção à Embaixada começou a ocupar a embaixada com a permissão do governo eleito da Venezuela, em 10 de abril, para protegê-la de uma tomada ilegal por parte da oposição venezuelana. As ações da polícia na noite de 13 de maio elevaram o drama a um novo nível.

Embaixada da Venezuela ocupada

Como o corte de eletricidade, água e alimentos dentro da embaixada não foi suficiente para forçar o coletivo a ir embora, no fim da tarde de terça-feira a Polícia Metropolitana de Washington apresentou uma nota de “não invadir” impressa sem cabeçalho ou assinatura de qualquer funcionário do governo dos EUA.

A nota diz que o governo Trump reconhece o líder oposicionista venezuelano Juan Guaidó como chefe de governo da Venezuela e que o embaixador nomeado por Guaidó para os EUA, Carlos Vecchio, e seu embaixador nomeado para a Organização dos Estados Americanos (OEA), Gustavo Tarre, são quem determinaria quem está autorizado a entrar na embaixada. Pessoas não autorizadas pelos embaixadores seriam consideradas invasoras. Àquelas já dentro do prédio, pede-se que saiam do edifício.

A nota parece ter sido escrita pela facção de Guaidó, mas foi postada e lida pela polícia de Washington como se fosse um documento do governo dos EUA.

Ordem de saída da embaixada
A Ong CodePink – Mulheres pela Paz publicou a “ordem judicial” sem assinatura no Twitter, informando que ela “ordena que todos os que estão dentro (da embaixada venezuelana) saiam imediatamente e ameaça com prisão aqueles que se recusarem” a cumpri-la. “Isso é ilegal pelas leis internacionais!”

A polícia colou a nota nas portas em torno de toda a embaixada e mais tarde chamou o departamento de bombeiros para que cortasse a corrente e o cadeado que estavam na porta da frente da embaixada desde o rompimento de relações diplomáticas entre a Venezuela e os EUA, em 23 de janeiro.

Alimentando o drama, apoiadores dos dois lados começaram a se reunir. As forças pró-Guaidó, que haviam erguido barracas em torno do perímetro da embaixada e estabelecido um acampamento de longo prazo para se opor ao coletivo que está dentro do prédio, receberam a ordem de desmontar seu acampamento. Parecia que isso é parte de uma ação para movê-los do lado de fora para dentro da embaixada.

Duas horas depois, alguns membros do coletivo dentro da embaixada saíram voluntariamente, de modo a reduzir o consumo de água e comida, e quatro membros se recusaram a obedecer o que viam como uma ordem ilegal para que deixassem o local. A multidão esperava, na expectativa de que a polícia entrasse para remover fisicamente e prender os membros remanescentes do coletivo. As forças pró-Guaidó comemoravam, gritando “tic-tac, tic-tac”, como se contassem os minutos que faltavam para sua vitória.

Porém, numa virada notável dos acontecimentos, ao invés de prender os membros do coletivo que permaneciam dentro da embaixada, aconteceu uma prolongada discussão entre eles, sua advogada, Mara Verheyden-Hilliard, e a polícia de Washington. A discussão focalizou os motivos pelos quais os integrantes do coletivo estavam dentro da embaixada em primeiro lugar – uma tentativa de impedir que o governo Trump violasse a Convenção de Viena sobre Instalações Diplomáticas e Consulares, de 1961, ao entregar essas instalações diplomáticas a um governo golpista.

Membros do coletivo lembraram aos policiais que cumprir ordens ilegais não os protegeria de serem indiciados por atos criminosos.

Depois de duas horas, em vez de prender o coletivo, os policiais viraram, trancaram a porta atrás deles, colocaram guardas e disseram que perguntariam a seus superiores como lidar com essa situação. A multidão ficou espantada com o fato de o Departamento de Estado e a polícia, depois de ter um mês para organizar a expulsão, ter iniciado a operação sem um plano detalhado que incluísse mandados de prisão para o caso de que os integrantes do coletivo não saíssem do prédio voluntariamente.

Kevin Zeese, um dos membros do coletivo, escreveu um comunicado sobre a situação do coletivo e da embaixada:

“Este é o 34º dia em que estamos vivendo na embaixada venezuelana em Washington, DC. Estamos preparados para ficar mais 34 dias, ou o tempo que for necessário para resolver a disputa pela embaixada de um modo pacífico, consistente com a legislação internacional… Antes de fazer isso, reiteramos que nosso coletivo é formado por pessoas e organizações independentes, não filiadas a qualquer governo. Embora sejamos todos cidadãos norte-americanos, não somos agentes dos EUA. Embora estejamos aqui com a permissão do governo venezuelano, não somos agentes nem representantes dele… A saída da embaixada que traria a melhor solução, em benefício dos EUA e da Venezuela, é um Acordo Mútuo de Poder de Proteção. Os EUA querem um Poder de Proteção para sua embaixada em Caracas. A Venezuela quer um Poder de Proteção para sua embaixada em Washington.

“Nós, Protetores da Embaixada, não vamos nos barricar ou nos esconder dentro da embaixada na eventualidade de uma entrada ilegal por parte da polícia. Vamos nos reunir e reafirmar pacificamente nosso direito de permanecer no edifício e de sustentar a legislação internacional. Qualquer ordem de desocupar baseada em um pedido de conspiradores golpistas que não têm nenhuma autoridade não será uma ordem legal. O golpe na Venezuela fracassou múltiplas vezes. O governo eleito é reconhecido pelos tribunais venezuelanos, de acordo com a lei venezuelana, e pelas Nações Unidas, de acordo com a legislação internacional.

“Uma ordem por parte dos conspiradores do golpe apoiado pelos EUA não seria legal… Essa entrada colocaria em risco embaixadas em todo o mundo e nos EUA. Estamos preocupados com as embaixadas dos EUA em todo o mundo e seu pessoal, caso a Convenção de Viena seja violada nesta embaixada. Isso criaria um precedente perigoso, que provavelmente seria usado contra embaixadas norte-americanas… Se uma expulsão ilegal e prisões ilegais forem feitas, vamos exigir prestação de contas por parte de todos os tomadores de decisão ao longo de toda a cadeia de comando e de todos os oficiais que executarem ordens ilegais… Não há necessidade de que os EUA e a Venezuela sejam inimigos. Resolver diplomaticamente essa disputa pela embaixada poderia levar a negociações sobre outras questões entre os dois países.”

Prevemos que o governo Trump irá aos tribunais hoje para pedir uma ordem oficial para que o governo dos EUA remova os membros do coletivo da embaixada venezuelana.

Coletivo defende embaixada da Venezuela
Manifestação do coletivo na frente da embaixada da Venezuela.

Membros da Associação Nacional dos Advogados escreveram um comunicado em que contestam a concessão de instalações diplomáticas pelo governo Trump para pessoas fora da lei:

“Os abaixo-assinados escrevem para condenar as violações da lei que estão acontecendo na embaixada venezuelana em Washington e para demandar que medidas imediatas sejam tomadas. Antes de 25 de abril de 2019, um grupo de ativistas pacifistas foi convidado à embaixada pelo governo da Venezuela – reconhecido como tal pelas Nações Unidas – e continua legalmente no local.

“Apesar disso, o governo dos Estados Unidos, por meio de várias agências de imposição da lei, tem dado abrigo e proteção a oponentes violentos, em apoio a uma tentativa de sitiar a embaixada. Ao fazer isso, o governo dos EUA está criando um precedente perigoso para as relações diplomáticas com todos os países. Essas ações não apenas são ilegais, como também colocam embaixadas em todo o mundo sob risco (…)

“O desprezo mostrado pelo governo Trump por esses princípios e pela legislação internacional coloca em risco todo o sistema de relações diplomáticas, o que poderia ter repercussões em países no mundo inteiro.

“Os abaixo-assinados exigem que os Estados Unidos cessem imediatamente seu assalto patrocinado pelo Estado e sua intervenção ilegal na Venezuela e contra seu governo, que continua a ser reconhecido pelas Nações Unidas e pela maior parte do mundo. Demandamos que as agências locais e federais de imposição da lei recuem imediatamente de expor convidados pacíficos e seus apoiadores dentro e fora da embaixada a riscos, em uma violação de seus direitos humanos fundamentais.”

À medida que essa saga sobre o futuro da embaixada da Venezuela em Georgetown continua a se desenrolar, a história vai registrá-la como um ponto importante de virada nas relações EUA/Venezuela, uma violação norte-americana de um princípio chave da legislação internacional e, mais do que tudo, como um exemplo heroico de cidadãos norte-americanos fazendo tudo o que está a seu alcance – inclusive ficar sem comida, água e eletricidade e enfrentar ataques diários da oposição – na tentativa de conter um golpe orquestrado pelos EUA.

Fotos: CodePink

Medea Benjamin, cofundadora da Global Exchange e da Codepink – Mulheres pela Paz, é autora de um novo livro, Inside Iran: The Real History and Politics of the Islamic Republic of Iran. Seus livros anteriores incluem Kingdom of the Unjust: Behind the US-Saudi Connection, Drone Warfare: Killing by Remote Control, Don’t Be Afraid, Gringo: A Honduran Woman Speaks From the Heart e, em parceria com Jodie Evans, Stop the Next War Now (Inner Ocean Action Guide). Ela pode ser seguida no Twitter: @medeabenjamin.

Ann Wright é uma militar veterana, com 29 anos no Exército e na Reserva do Exército dos EUA, que deu baixa como coronel. Foi também diplomata, mas renunciou em março de 2003, por ser contra a invasão do Iraque. Serviu na Nicarágua, Granada, Somália, Uzbequistão, Quirguistão, Serra Leoa, Micronésia e Mongólia. Em dezembro de 2011, integrava a pequena equipe que reabriu a embaixada dos EUA em Kabul, no Afeganistão. Ela é coautora do livro Dissent: Voices of Conscience.

Publicado em:política

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