Não é mistério para ninguém que, embora as empresas reclamem da alta carga tributária, todo e qualquer imposto tem origem no cidadão. Os tributos pagos pelas empresas estão embutidos no preço dos produtos e serviços. só sendo devidos quando efetivado o consumo. Há uma classificação básica que pode dar conta de grande parte dos tributos existentes no Brasil: os gerados pela produção/circulação de produtos, os decorrentes da prestação de serviços, os impostos sobre a renda e as contribuições sociais. Em todos os casos, o imposto pode ser considerado como uma parte da mais-valia que não fica na mão do empresário.
Toda essa massa de dinheiro, acaba financiando em parte a folha de pagamento do funcionalismo público que, em tese, seria devolvida ao cidadão na forma de prestação de serviços públicos como saúde e educação, além de sustentar o Judiciário e o Legislativo. Outra parcela vai para a construção de infraestrutura que, sabemos, sustenta a indústria das concorrências públicas. Por fim, em termos de grandes blocos, sobra o pagamento de aposentadorias e benefícios sociais como salário-família, salário-maternidade, auxílio-doença, etc. Há, também, outras destinações, maiores ou menores, conforme o momento, voltadas para subsídios diversos e encargos da dívida pública.
Portanto, em termos gerais e bem teóricos, haveria um retorno social. Na verdade, isso já está bem mudado, mas foi a linha mestra dos Estados de bem-estar social que tiveram que ser engolidos pelo capitalismo na Europa, sobretudo durante a guerra fria, produto da ameaça representada pelo socialismo. Embora com iniciativas que já datam da década de 1970, foi após a queda do Muro de Berlim que a postura do capitalismo em relação aos Estados mudou radicalmente, aprofundando-se a tendência a tornar-se um balcão de negócios e onde toda e qualquer despesa que signifique alguma prestação de serviço à população passou a ser vista como inadequada, quer dizer, evitando que essa parcela da mais-valia retorne aos trabalhadores.
Dessa forma, a saúde vira indústria da morte, a educação um depósito de crianças pobres sem nenhum padrão aceitável, a segurança é só para a proteção da propriedade, e daí em diante. Toda a atividade que torna o Estado um concorrente da iniciativa privada deve ser eliminada, quer dizer privatizada. Escolas particulares, planos de saúde, segurança privada e previdência privada são alguns exemplos dos negócios que surgem como consequência da realocação dos recursos do Estado. Isso se espalha rapidamente por todo o globo, como provam as massivas manifestações contra o decréscimo da qualidade dos serviços sociais. Até no Brasil, onde nunca tivemos um Estado que atendesse minimamente à população, percebemos como as coisas podem piorar ainda mais.
E para onde foram esses recursos? Na verdade , aumentaram a participação direta dos juros sobre dívidas fabricadas, o que resulta no retorno da mais-valia para a mão do capital.
O caso da Grécia é um grande exemplo dessa nova fase. Desde os anos 1990, vários países sofreram ataques às suas moedas, forçando os Estados a se socorrer junto aos bancos internacionais (Banco Mundial, FMI), submetendo suas políticas econômicas à fiscalização desses órgãos. Isso fez com que as dividas começassem a demandar cada vez mais recursos públicos, nada mais do que impostos, para satisfazer o serviço da dívida, este também devidamente manipulado pelos especuladores.
Evidentemente, tal caminho, só poderia levar à quebra dos Estados e à necessidade de demissão de funcionários, leia-se redução dos serviços e redução do salário-mínimo, leia-se redução dos benefícios pagos pelo Estado, e o comprometimento de grande parte da arrecadação com o pagamento da dívida, drenando a arrecadação para o capital financeiro. Dessa forma, estamos vivenciando um novo e poderoso ataque do capital, liderado pelo capital financeiro, que se vê totalmente livre para atacar, diante da falta de candidatos a classe dominante. Os projetos socialistas e seus partidos, estão totalmente desacreditados e às pessoas sobra a postura defensiva, já que os seus líderes parecem ter se adaptado muito bem ao sistema capitalista. O único senão, e que pode alterar esse grande acordo, é que a voracidade acaba criando mais miséria e, diante da necessidade, novas lideranças e projetos políticos acabam surgindo, subvertendo o conforto reinante.
Para resolver a crise grega, ou seja, satisfazer a sede de drenagem de recursos do Estado, o capital financeiro solicita a ajuda dos outros Estados europeus, via fundo de resgate, que tem seus recursos provenientes dos impostos arrecadados na Alemanha e na França, principalmente, expropriando via indireta os trabalhadores alemães e franceses. Isso já ficou claro nas recentes negociações de títulos italianos, franceses e alemães, além do rebaixamento das classificações desses países, que se materializa no aumento do valor dos juros pagos na rolagem da dívida.
Nessa linha, se realimenta o monstro que gerará novas crises e maior necessidade de recursos públicos para resolvê-las. E que ninguém se iluda com a previsão do acordo no caso grego, de redução da dívida a 45% do valor atual, o que tem sido apresentado como uma espécie de “colaboração”. Na realidade, pela prática especuladora que acabou gerando uma divida ilegítima, esse acordo acaba legitimando um volume muito maior do que o original.
Qualquer cidadão honesto que um dia chegou a dever para o cheque especial ou cartão de crédito, sabe como a coisa funciona. O valor devido é submetido a um tal nível de juros que a dívida quadruplica em pouco tempo. Diante da inviabilidade do recebimento, o credor acaba “se dispondo” a dar um desconto de 50% e parcelar o saldo devedor. Ou seja, para cada R$ 1 devido, cria-se uma dívida artificial de R$ 4, que com o desconto acaba ficando em R$ 2, ainda o dobro da dívida original.
É essa a matemática que virou moda pelo mundo, só que, ao invés atingir de pequenos devedores, ataca enormes dívidas estatais e possibilita monstruosa drenagem de recursos públicos para mãos privadas. Tudo isso com aparência legal e negociada, mas, na verdade, enfiado goela abaixo do povo trabalhador por especuladores profissionais atuando diretamente dentro dos governos.
As fotos que ilustram este artigo são de Georgios (Ggia, WikiMedia Commons). Na primeira, manifestantes protestam na frente do Parlamento grego, em Atenas, em 29 de junho de 2011. A segunda mostra uma manifestação na Praça Sintagma (da Constituição), em Atenas, em 30 de junho de 2011.
Bom texto! O desenvolvimento da crise na Grécia, ou melhor, na Europa, principalmente, nos chamados PIGS ([P]ortugal, [I]rlanda, [G]récia e E[S]panha) passa por essas questões que o autor levanta. Questões óbvias, mas que necessitam ser explicitadas. Como disse o autor, se tratam de dividas ilegítimas.
Segue a baixo o link de um bom documentário sobre o assunto:
Parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=bO0vPGRcn9c&list=PL641B736DEBD539D6&index=1&feature=plpp_video
Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=aAeac_fhxyM&list=PL641B736DEBD539D6&index=2&feature=plpp_video
Parte 3: https://www.youtube.com/watch?v=7uCFz_bVisU&list=PL641B736DEBD539D6&index=3&feature=plpp_video