Emmanuel Nakamura*
“Retomar a Paulista” foi título do editorial da Folha de S. Paulo de 13 de junho e “As ruas emitiram um sinal de alerta, que precisa ser ouvido”, a conclusão do editorial deste mesmo jornal no dia 22 de junho. Em pouco tempo, uma nova política, com apoio da maioria da população, parece ter entrado em cena, o que explicaria a mudança de opinião da grande mídia. Essa nova política foi comparada aos movimentos Occupy e Indignados.
Com a massificação dos protestos, o Movimento Passe Livre parecia ter sido alçado à “vanguarda” das mobilizações sociais – de fato, uma antivanguarda.1“(…) talvez a principal lição do MPL seja esta: sua iniciativa talvez consista numa recusa, numa descentralização, no abandono da sanha, do vício do controle (vanguardista?) sobre todas as ações de todos os participantes reunidos(…).” Cf. Caio de Andrea, A novidade da recusa do MPL: uma vitória popular. Foi alçado simplesmente porque tinha uma pauta imediata e material – a redução da tarifa de ônibus – e porque não tem dogmas a defender e nem “táticas” e “estratégias” políticas pré-determinadas, e muito menos está comprometido com os governos tucano e petista.
Mas apontar para a forma de organização me parece pouco, é preciso analisar também porque tal pauta teve poder de mobilizar o país. Como explicar o fato de as manifestações se massificarem no período da Copa das Confederações e várias delas se dirigirem aos renovados e luxuosos estádios de futebol? Não vejo outra justificativa que não a desilusão com o horizonte de expectativas oferecido pelo governo federal quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Foi prometido à população um novo país, com serviços públicos e obras de infraestrutura que seriam o principal legado desses eventos esportivos.2“No fundo, no fundo, nós estamos aqui assumindo uma responsabilidade enquanto nação, enquanto Estado brasileiro para provar ao mundo que nós temos uma economia crescente, estável, que nós somos um dos países que está com a sua estabilidade conquistada. Somos um país que tem muitos problemas, sim, mas somos um país com homens determinados a resolver esses problemas”. Cf. Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de anúncio do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014, Zurique (Suíça), 30 de outubro de 2007. A população agora percebeu que tais eventos significam apenas estádios muito caros feito com dinheiro público. A pauta do MPL, por tocar diretamente no problema dos serviços públicos, conseguiu mobilizar a população inteira.
Com relação à forma-partido, não arrisco ser taxativo em dizer que a política não passará mais pelos partidos políticos. Mas parece claro que, a partir de agora, eles não serão mais alçados à “vanguarda” do movimento e estarão apenas a reboque do movimento social. Isso vale também para a direita e a extrema direita. Razão pela qual vejo todos esses exageros sobre um suposto risco fascista apenas como um confronto entre a esquerda e a direita, mas que ocupa um papel marginal na movimentação de rua.
O aparecimento de bandeiras nacionais não tem nada a ver com nacionalismo de extrema direita, simplesmente porque a orientação política geral do movimento social não reconhece identidades imediatas – apesar da direita e da esquerda ainda orientarem suas políticas nos termos schmittianos amigo-inimigo. As bandeiras nacionais têm sim a ver com uma aspiração à cidadania, ou seja, com uma disposição de ânimo ética, no sentido hegeliano. Trata-se, portanto, de algo refletido e que tem como fundamento o histórico de subcidadania a que foi relegada a população brasileira.
Essa movimentação social não reconhece limites partidários. A população já não tinha ilusões com a representação parlamentar e redescobriu o espaço público como forma de democracia direta. Sua pauta é bem clara e prática – melhoria dos serviços públicos. As palavras contra a corrupção têm a influência da mídia, mas só pegam porque para a população a farra política está diretamente relacionada com a má qualidade desses serviços públicos.
Iniciou-se agora um processo de repolitização social que tem ainda talvez um longo período de amadurecimento e precisa atingir ainda o fundo da sociedade. A polícia continua exterminando nas periferias das grandes cidades – na zona norte do Rio de Janeiro, 13 pessoas foram mortas por policiais militares no dia 26 de junho. Os medos com os rumos da movimentação social não são totalmente infundados, pois expressam a ausência de formas de organização onde essa nova política possa adquirir uma forma refletida, concreta e universal como resultado de um processo intrínseco de repolitização social. Pautas formuladas pela esquerda podem colar na população, assim como as lançadas pela direita – mas não há nada de substancial que as unam aos interesses da população. A ocupação de espaços públicos – nos moldes Occupy – talvez seja o espaço e a forma encontrada recentemente para concretizar propostas – desde Hegel sabemos que são nas assembleias onde o universal adquire essa concretude.
Berlim, 27 de junho de 2013.
* Emmanuel Z. C. Nakamura é filósofo e economista.
NOTAS:
1. “(…) talvez a principal lição do MPL seja esta: sua iniciativa talvez consista numa recusa, numa descentralização, no abandono da sanha, do vício do controle (vanguardista?) sobre todas as ações de todos os participantes reunidos(…).” Cf. Caio de Andrea, A novidade da recusa do MPL: uma vitória popular.
2. “No fundo, no fundo, nós estamos aqui assumindo uma responsabilidade enquanto nação, enquanto Estado brasileiro para provar ao mundo que nós temos uma economia crescente, estável, que nós somos um dos países que está com a sua estabilidade conquistada. Somos um país que tem muitos problemas, sim, mas somos um país com homens determinados a resolver esses problemas”. Cf. Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de anúncio do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014, Zurique (Suíça), 30 de outubro de 2007.