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Para não esquecer

O acervo do Cemap e as lutas populares

Logotipos do boletim do Cemap

Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva
(Jacques Le Goff, História e Memória)

Todo mundo já ouviu falar de amnésia, aquele distúrbio que envolve a perda parcial e total da memória. E perder a memória é uma possibilidade terrível, considerando que a nossa personalidade é fundada em nossas lembranças, naquilo que nos ocorreu da primeira infância até hoje. Ou, como diz a linguagem popular, “desde que me conheço por gente”. Perder a memória é quase sinônimo de perder a identidade; de não ser mais sujeito, e sim objeto.

Se essa possibilidade já é assustadora para um indivíduo, imagine-se para um país, um povo, uma sociedade.

“(…) A amnésia”, alerta o historiador Jacques Le Goff, “é não só uma perturbação no indivíduo, que envolve perturbações mais ou menos graves da presença da personalidade, mas também a falta ou a perda, voluntária ou involuntária, da memória coletiva nos povos e nas nações que pode determinar perturbações graves da identidade coletiva”.1LE GOFF, Jacques. História e Memória. Editora da Unicamp. Campinas. 1990. pp. 225. No Brasil, desde o golpe de 2016, essa é uma possibilidade real. Só lembrando: uma das primeiras iniciativas do novo governo foi a retirada da obrigatoriedade da História no currículo de Ensino Médio. E de um dia para outro, começamos a ouvir uma “história alternativa” da ditadura militar – que não era tão ruim assim, afinal.

Este é o momento de valorizarmos os chamados locais de produção de memória, como as bibliotecas, os museus e os arquivos. Foi pensando nessa necessidade que, há 37 anos, foi fundado o Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa, o Cemap. Atualmente, o acervo é gerido pela oscip (organização da sociedade civil de interesse público) Cemap-Interludium. Através de um convênio celebrado com a Universidade Estadual Paulista (Unesp), ele está sob a guarda do Centro de Documentação e Memória da universidade, o Cedem.

As últimas estimativas mostram que o Cemap possui uma biblioteca de 6 mil livros; um acervo privado totalizando 800 caixas; além de documentação sonora e uma abundante documentação iconográfica, composta de itens tão variados quanto fotografias, cartazes, adesivos, “buttons”, etc. A hemeroteca já organizada contém 3 mil títulos de periódicos, principalmente relacionados ao movimento operário.

Desde o início, este arquivo – fundado por professores, estudantes, jornalistas, sindicalistas e militantes políticos – se dedicou a guardar e preservar a memória do movimento operário e das lutas da esquerda. Os conjuntos documentais do acervo foram, em sua maioria, produzidos e acumulados por indivíduos, sendo portanto classificados como fundos e coleções privados. Entre estes conjuntos estão os de personalidades como Fúlvio e Cláudio Abramo,2Cláudio Abramo (1923-1987), trotskista e irmão mais novo de Fúlvio, foi um dos jornalistas mais influentes do país. Como editor no Estado de S. Paulo e depois na Folha de S. Paulo, liderou grandes reformas editoriais, mas acabou demitido por problemas políticos. Mário Pedrosa, Plínio Melo3Plínio Gomes de Mello (1900-1993), gaúcho de Cruz Alta, iniciou sua carreira política com a Revolução de 1923, movimento para derrubar o presidente do Estado, Borges de Medeiros. Posteriormente, foi para São Paulo, onde se aproximou do PCB; em 1931, desiludido com o partido, juntou-se à Liga Comunista do Brasil. Foi jornalista, sendo preso várias vezes por conta de sua militância política e sindical. Veja entrevista de Plínio à revista Teoria e Debate. e Raul Karacik, além de acervos produzidos e acumulados mais recentemente, como os de Clara Ant,4Arquiteta de formação, Clara Ant (1948-) participou em sua juventude da tendência estudantil Liberdade e Luta. Foi uma das fundadoras e dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Elegeu-se deputada estadual por São Paulo em 1987. Integrou a Comissão Executiva Nacional do PT de 1995 a 2001, e foi assessora especial do presidente Lula durante sua gestão. De 2011 a 2017, participou da diretoria do Instituto Lula. Dainis Karepovs5Jornalista e historiador, Karepovs foi um dos fundadores do Cemap. e Vito Letizia.6Outro fundador do Cemap, o economista e historiador Vito Letizia (1937-2012) foi militante da Organização Socialista Internacionalista (OSI), professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e autor dos livros 1917: Uma Revolução Confiscada, As Origens das Aspirações Modernas de Liberdade e Igualdade, Contradições que Movem a História do Brasil e do Continente Americano e A Grande Crise Rastejante. Dirigente trotskista desde os anos 1960, passou vários anos na prisão e na clandestinidade. Para saber mais, acesse o site Vito Letizia – um militante.

Um ponto alto dos acervos privados do Cemap é o conjunto documental com a correspondência e os artigos de Mário Pedrosa, principalmente no período de 1923 a 1931, com interlocutores como Murilo Mendes, Lígia Clark, Francisco Matarazzo Sobrinho, Benjamin Péret, Oscar Niemeyer, Antonio Candido, Pietro Maria Bardi, Tomie Otake, Ferreira Gullar e outros. Considerado como um dos fundadores da crítica de arte no Brasil, o militante e jornalista ainda hoje é referência e objeto de pesquisa, tanto na área de política, quanto na de História da Arte.

Juntaram-se a essas coleções os acervos de agrupamentos políticos de diversas tendências da esquerda nacional. Entre eles, está a Liga Comunista Internacionalista (fundada em 1934, como oposição à esquerda ao Partido Comunista) e o Partido Socialista Brasileiro, além de diversos sindicatos e organizações de classe, como o Sindicato dos Gráficos e Jornalistas de São Paulo, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o Sindicato dos Bancários de São Paulo, o Comitê Brasileiro de Solidariedade aos Povos da América Latina, entre outros.

Além disso, existe um grande número de jornais e outras publicações ainda em fase de inventário e catalogação, sendo que Cemap-Interludium dirige atualmente um projeto nesse sentido. Os dados resultantes estão sendo inseridos num banco de dados que deve facilitar a pesquisa.

Entre os fundos e coleções7Fundos, em linguagem arquivística, são conjuntos de documentos produzidos e acumulados naturalmente por uma pessoa, empresa, organização ou órgão público, no decurso de suas atividades normais. Já a coleção, como seu nome indica, se refere a um conjunto de documentos de características semelhantes, intencionalmente acumulados pelo seu detentor. do acervo do Cemap, destacam-se os seguintes:

Coleção Cemap – É uma das mais variadas do acervo: reúne documentos textuais, periódicos e livros (na casa dos milhares), cartazes e fotografias, e até documentos audiovisuais. Foi constituída a partir de doações de militantes, jornalistas, sindicalistas, e dos próprios fundadores do Cemap;

Fundo Mário Pedrosa – A trajetória de Pedrosa (1925-1982) como militante político é no mínimo tão interessante como a sua carreira de crítico de arte, e esses dois aspectos de sua biografia estão contemplados neste fundo. Fundador do primeiro grupo brasileiro ligado à Oposição de Esquerda do Partido Bolchevique soviético, a Liga Comunista Internacionalista, Pedrosa foi também o filiado número 1 do Partido dos Trabalhadores, em 1980.8Para saber mais, acesse o site Mário Pedrosa 120 anos. Este fundo tem várias caixas de documentos textuais e também fotografias;

Fundo Fúlvio Abramo – Jornalista e militante, Fúlvio Abramo (1909-1993) foi militante da Liga Comunista Internacionalista e teve ativa participação na organização da Frente Única Antifascista (FUA) e no embate armado com integralistas na Praça da Sé, em 7 de outubro de 1934. Colaborador do jornal O Trabalho, em 1981, fundou o Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa – Cemap, que presidiu até sua morte. O forte deste conjunto são os documentos textuais, centrados principalmente na longa atuação política do seu produtor/detentor;

Fundo Livraria Palavra – Dedicada à divulgação do movimento e das ideias trotskistas no Brasil, esta editora centrou suas atividades nas publicações da Organização Socialista Internacionalista (OSI) do Brasil, na sua tendência do movimento estudantil, a Liberdade e Luta, e no grupo político O Trabalho, que passou a atuar dentro do PT a partir dos anos 1980. Além de uma grande coleção de periódicos, como o jornal O Trabalho, o fundo apresenta documentos representativos do movimento interno dessa organização de esquerda na última fase da ditadura militar: atas, notas, resoluções, boletins, correspondências das instâncias organizacionais da OSI, documentos da participação da organização nas campanhas políticas nacionais e internacionais, dos congressos, encontros e conferências da OSI, textos do Comitê de Unificação CS/OSI e documentos de outros partidos.

Esses e muitos outros fundos e coleções do Cemap estão à disposição para consulta do público em geral no Cedem, que fica na Praça da Sé, 108, 1º andar, e funciona de segunda a sexta-feira, das 9h às 12h e das 13h às 17h. Os atendimentos podem ser agendados pelo e-mail pesquisa@cedem.unesp.br. Os telefones do Cedem são (11) 3116-1707 e (11) 3116-1701.

Boletins da primeira fase do Cemap
Boletins da primeira fase do Cemap.

NOTAS

  1. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Editora da Unicamp. Campinas. 1990. pp. 225.
  2. Cláudio Abramo (1923-1987), trotskista e irmão mais novo de Fúlvio, foi um dos jornalistas mais influentes do país. Como editor no Estado de S. Paulo e depois na Folha de S. Paulo, liderou grandes reformas editoriais, mas acabou demitido por problemas políticos.
  3. Plínio Gomes de Mello (1900-1993), gaúcho de Cruz Alta, iniciou sua carreira política com a Revolução de 1923, movimento para derrubar o presidente do Estado, Borges de Medeiros. Posteriormente, foi para São Paulo, onde se aproximou do PCB; em 1931, desiludido com o partido, juntou-se à Liga Comunista do Brasil. Foi jornalista, sendo preso várias vezes por conta de sua militância política e sindical. Veja entrevista de Plínio à revista Teoria e Debate, edição nº 7, de 1º de julho de 1989, feita por Dainis Karepovs, José Castilho Marques Neto e Valentim Faccioli.
  4. Arquiteta de formação, Clara Ant (1948-) participou em sua juventude da tendência estudantil Liberdade e Luta. Foi uma das fundadoras e dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Elegeu-se deputada estadual por São Paulo em 1987. Integrou a Comissão Executiva Nacional do PT de 1995 a 2001, e foi assessora especial do presidente Lula durante sua gestão. De 2011 a 2017, participou da diretoria do Instituto Lula.
  5. Dainis Karepovs, jornalista e historiador, foi um dos fundadores do Cemap.
  6. Outro fundador do Cemap, o economista e historiador Vito Letizia (1937-2012) foi militante da Organização Socialista Internacionalista (OSI), professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e autor dos livros 1917: Uma Revolução Confiscada, As Origens das Aspirações Modernas de Liberdade e Igualdade, Contradições que Movem a História do Brasil e do Continente Americano e A Grande Crise Rastejante. Dirigente trotskista desde os anos 1960, passou vários anos na prisão e na clandestinidade. Para saber mais, acesse o site Vito Letizia – um militante.
  7. Fundos, em linguagem arquivística, são conjuntos de documentos produzidos e acumulados naturalmente por uma pessoa, empresa, organização ou órgão público, no decurso de suas atividades normais. Já a coleção, como seu nome indica, se refere a um conjunto de documentos de características semelhantes, intencionalmente acumulados pelo seu detentor.
  8. Para saber mais, acesse o site Mário Pedrosa 120 anos.
Publicado em:Acervos,Cemap,Cemap-Interludium

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