A recente ocupação da reitoria da USP pelos estudantes, após a frustrada tentativa de participar da reunião do Conselho Universitário de 1º de outubro, demonstra que a batalha pela democratização da estrutura da universidade encontra uma enorme resistência no corpo docente, especificamente nos mais altos cargos, que dominam a administração.
Isso ficou claro pela aprovação da proposta apresentada por um grupo de aproximadamente 50 diretores de escola, que se deram ao trabalho de se reunir e trabalhar duro para fazer com que a USP se mantenha como instituição dominada por uma casta que se esconde por trás da autonomia universitária para manter seu poder absoluto sobre as três categorias envolvidas, quais sejam, professores, alunos e funcionários. A proposta aprovada mantém a eleição no conselho, só que em turno único, mas “amplia” o número de eleitores – encampando, por exemplo, os Conselhos Deliberativos dos Museus e dos Institutos Especializados – e cria uma consulta direta sem forma definida e sem qualquer poder decisório. Fala também em encaminhar uma discussão para a mudança do estatuto.
Na essência, a proposta aprovada não só não muda nada, como consegue ser mais retrógrada que a própria Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que estabelece a participação da comunidade, ainda que com pesos diferentes (70% para docentes, 15% para funcionários e 15% para alunos). Incrível notar que até o atual reitor encaminhou a proposta de eleição direta nos moldes da LDB ao conselho, mas nem assim foi aprovada.
A pergunta que fica é: por que esses setores se esforçam tanto para evitar as mudanças?
A primeira resposta, óbvia, é que eles temem perder o poder de gerir a verdadeira fortuna que a sociedade investe na universidade e que é devidamente controlada pelos grupos que se escudam no Conselho Universitário.
Mas essa não é a resposta mais importante. O verdadeiro motivo está na necessidade de não abrir a discussão sobre o real padrão de ensino e pesquisa da USP hoje e se ela verdadeiramente cumpre a função a que se destina.
Alguns poderiam dizer que alunos não devem ser ouvidos e que são os docentes que são os gestores da universidade, afinal eles ficam enquanto os alunos passam. Se, por absurdo, admitirmos esse argumento, já teremos uma incongruência, porque a grande maioria dos docentes está alijada do processo.
Mas, na realidade, não é assim. Os alunos são aqueles escolhidos pela sociedade para serem formados, e os custos dessa formação são divididos entre todos os cidadãos. Portanto, cabe a eles avaliar se aquilo que está sendo dado é o que se pretende. Ou seja, se os docentes, que são pagos para formar a juventude, estão cumprindo seus deveres decentemente. Para que isso seja efetivo, nada mais justo do que ouvir e poder opinar sobre as propostas que vão influenciar na sua formação.
E o que se vê, como decorrência dessa estrutura antidemocrática, é que se esconde muita incompetência para gerir a montanha de dinheiro lá investida. Desde prédios muito mal conservados, recursos mal direcionados, novos cursos instituídos, quer para criar base de representação no Conselho Universitário, quer por pressão política do governo estadual, e outras enormes deficiências, sempre se escondendo sob uma estrutura de poder que nada cobra e nada apura.
Será que o bom conceito que os alunos da USP têm no mercado de trabalho, e mesmo na continuidade na carreira acadêmica, se deve à excelência do ensino lá ministrado, ou é consequência direta da rigorosa seleção que é feita para ingressar na universidade?
Essa resposta é impossível de obter enquanto não for aberta a caixa preta do processo de gestão na USP. O que se pode afirmar é que, se na época da ditadura militar o inimigo óbvio estava no Poder Executivo e muita gente se aproveitava disso para justificar práticas antidemocráticas, hoje esses grupos são obrigados a mostrar a cara e lutar para se manter no poder, afrontando o interesse do conjunto da sociedade.
Nesse quadro, a ocupação da reitoria promovida pelos estudantes é uma radicalização plenamente justificável e dirigida contra aqueles que usurpam o poder e não estão dispostos a conversar ou negociar por objetivos comuns a todas as categorias envolvidas.