Menu fechado

Os ensinamentos a tirar do que ocorre hoje na Grécia

Nivaldo Bastos

Manifestação pelo "não" em Atenas, 2015

A questão da Grécia que domina as manchetes de todos os jornais importantes do mundo nos últimos 30 dias tem que ser analisada com a razão, como propõem Marx e Vito Letizia, porque carrega com ela o futuro da zona do euro, que é o maior PIB do globo, e as contradições que explodem da política econômica ortodoxa, que está se equilibrando em fios de pesca para satisfazer a sede de dinheiro fácil e especulativo dos bancos, que representam – e isso é importante – um setor da burguesia que não tem nenhum vínculo com a produção e que precisa desse castelo de cartas para sobreviver.

Valores de empresas cotadas em bolsa que sobem e despencam, títulos sem lastro que circulam pelo mundo, fundos de investimento que vão de um país a outro buscando juros sobre as dívidas públicas são as principais atividades econômicas desse setor da burguesia.

E em que se baseia essa brincadeira?

Todo esse poder se baseia em dois pilares muito concretos: na ameaça representada pelo poder militar dos EUA e no castelo de cartas financeiro.

O aspecto militar, que na Europa se expressa pelas bases da Otan, e na política de submissão dos Estados cada vez mais sem autonomia econômica, e no resto do mundo, demonstrado pelo caso específico do Oriente Médio e dos que tinham o poder do petróleo, que agora sofrem com uma jogada especulativa baseada na superprodução da Arábia Saudita e numa loucura com o xisto e etanol nos EUA, depois da fracassada a tentativa militar de dominar a produção no Iraque, é bem complexo e fica para outra hora, mesmo porque não é o caso de aprofundar agora.

A questão do castelo de cartas é mais presente. Apontar o caso da Grécia como uma derrota que tenha provado que o caminho institucional até o poder de Estado é um beco sem saída, além de emocional, deixa de lado a análise das contradições que estão aflorando hoje no mundo, com a proliferação de agrupamentos não confiáveis ligados aos trabalhadores em contraposição à esquerda assalariada tradicional.

Cartaz pelo "não" no referendo em Atenas, 2015

Syriza, PT, Chávez, Podemos, outros partidos tanto na América Latina como Europa, a meu ver são a semente de uma nova internacional que se mostra viável no campo político. No campo econômico, os BRICS, que são uma contraposição ao FMI, baseados na força econômica da China stalinista, dependente dos mercados consumidores norte-americano e europeu, e na Rússia, com seu fornecimento de petróleo e gás, notadamente a Europa.

O interessante é que o surgimento dessas “opções” está se tornando claro com a “tomada” eleitoral dos Estados burgueses. O caso grego expôs de forma pública o absurdo que foi a negociação da dívida. A Grécia foi invadida por uma divisão Panzer mesmo após a população dizer que não aceitava aquela humilhação. A invasão se deu inclusive com ameaça e proposta clara de deposição de Tsipras.

Óbvio que eu acho que ele poderia ter pagado para ver até onde chegava a vontade louca da Troika e dito: fiquem com os 50 bilhões de ativos que pagam de sobra nossa dívida, sem aceitar intromissão na política econômica interna da Grécia. Mas, ao mesmo tempo, não tenho o direito de impor o que penso a ele, que é quem tem que gerir um país de mais de 10 milhões de pessoas que estava sem sistema bancário e entrando em colapso. Essas pessoas ficam doentes, precisam de remédios, escolas, comida, etc. A emoção não supre nada disso. Só para lembrar, a “linda” revolução russa dos romances do Trotsky enfrentou a miséria por anos a fio de guerra interna.

Mas, afinal, para dizer que a Grécia perdeu, quem foi que ganhou?

Aí a coisa complica. A Troika não consegue convencer ninguém de que ganhou e mesmo dentro da Europa os atritos foram às alturas e os rachas ficaram aparentes.

Mesmo o FMI já declara por sua gerente que a dívida grega é impagável e deve ser zerada. E é isso mesmo. Os maiores economistas, de esquerda ou não, já disseram isso e desmoralizaram a proposta da Troika. A dívida grega é de 177% do PIB. Eles exigem economia (superávit primário) de 4% do PIB e a Grécia consegue, com toda a miséria gerada pela austeridade, menos de 1%. Ora, não precisa ser matemático para saber que com economia de 1% do PIB a dívida demoraria 177 anos para ser paga, sem considerar 1 centavo de juro.

Impagável!!!

E nem os juros seriam tampouco pagáveis, porque mesmo que sejam baixíssimos, da ordem de 2% ao ano, que qualquer cidadão consegue no Fed norte-americano, sem risco, custaria 3,5% do PIB anual. Por isso, a Troika pede 4% de superávit!! Ou seja, pretende receber os juros e manter a escravidão.

Mas não é o lado impossível que chama a atenção nessa negociação, porque isso todos já sabemos. O que chama a atenção são as exigências:

  1. Privatizar 50 bilhões de euros em ativos.
  2. Aumentar ainda mais o já alto imposto sobre consumo (IVA, TVA, etc, conforme o país).
  3. Reduzir aposentadorias e benefícios em geral.

As privatizações são apropriação de bens do Estado e eles já fizeram isso em todos os lugares, sempre se apoiando em processos ilegítimos de endividamento dos Estados que não deixam opção. Uma jogada conhecida!!

O que me chama a atenção é a insistência pelo aumento do IVA, o imposto sobre consumo a níveis de 3 vezes o que é cobrado nos EUA, que detém a maior dívida publica do globo. No Brasil também é o imposto mais caro. Qual o motivo de ser o IVA e não um imposto sobre herança, fortuna ou renda?

A explicação está na forma de arrecadação desse imposto. Como ele tem uma base de arrecadação ampla e incide sobre tudo o que é consumido pelo povo, significa uma forma de recuperar parte da renda do trabalhador, ampliando a mais-valia pela arrecadação do Estado. Se o Estado já está endividado, como todos os europeus, em consequência de terem assumido as dívidas dos bancos em 2008, eles querem que o Estado grego seja um agente que arrecade e repasse na forma de juros essa parcela da mais-valia aos credores, ou seja, a parcela da burguesia que hoje vive de renda, os mesmos rentistas daqui.

Para que isso seja efetivo, devem reduzir a zero, se possível, os benefícios sociais, exatamente da forma como propôs o governo inglês recentemente ao Parlamento. O papel do Estado nacional passa a ser de mero agente dos rentistas, que repassa o imposto sobre consumo, repito, drenando mais-valia a favor dos rentistas, já que eles não estão mais no capital industrial. De quebra, uma parte do imposto pode ser usado para obras de infraestrutura ou para melhorar o ambiente de negócios do setor agrário, construção civil, etc. Bolsa-família nunca, previdência pública nem pensar, saúde é privada, educação idem, segurança idem, transporte é concessão e empregos públicos, que são a prestação de serviços do Estado, devem ser suprimidos, priorizando só os da arrecadação!!!

Impostos sobre o patrimônio e a renda não são admitidos porque vão onerar a própria burguesia, como mostrou a reação aos planos de Hollande de ampliar esses impostos na França. Aqui também foi a mesma coisa, com a reação ao aumento do IPTU que a prefeitura do PT tentou implantar.

Se essa concepção do papel do Estado fica cada dia mais clara na prática do capital internacional, já que os Estados nacionais estão sendo todos submetidos ao imperialismo, seja pela força, seja pela escravidão financeira, a mesma compreensão deve ser a base para estabelecer a tática das organizações políticas dos trabalhadores.

É no Estado que as coisas se decidem. Mesmo derrotado num primeiro momento, o governo grego lutou ao lado de seu povo contra os abusos da Troika e colocou a discussão para toda a Europa. Caberá a ele aplicar os acordos sim, mas estando em suas mãos o Estado, ele pode fazer uma administração que tente aos poucos retomar a dignidade do povo. Isso não é impossível, como prova a própria história recente do PT no Brasil. Erros foram cometidos sim, mas era o mínimo a se esperar, dada a recente derrota esmagadora sofrida pelo modelo de governo marxista em todo o globo, com os Estados stalinistas.

Aqui vale um parênteses, sobre o atual momento do movimento de massas. As experiências dos Estados operários se iniciaram em 1917 com a revolução russa, uma consequência da 1ª Grande Guerra. Essa geração das guerras mundiais viu a miséria causada pela disputa capitalista e amadureceu consciente de que esse modelo era inaceitável. Colocou uma faca na goela de seus governos e impôs um Estado de bem-estar social como condição para evitar que o modelo do Estado operário proliferasse. A geração da guerra educou a do pós-guerra, que cresceu diante de duas alternativas. Isso durou por volta de 70 anos, tempo da Revolução Russa e o mesmo tempo que estão tendo a revolução cubana e a chinesa. O tempo de uma geração.

A geração que construiu o PT no Brasil e outros agrupamentos sul-americanos é consequência direta da luta contra as ditaduras impostas nas décadas de 1960 e 1970. Esses jovens hoje são senhores e chegando rápido na casa dos 70 anos. A nova geração, na casa dos 30, é pós-queda do muro de Berlim, pós-ditadura e estuda tudo isso em livros de história. Não viveu.

A experiência política não se transmite como a evolução da tecnologia. Isso, por um lado limita e por outro liberta. Saber que os Estados operários não deram certo já elimina a opção PC e seu centralismo autoritário. Democracia se torna uma conclusão necessária. Por outro lado, deixa em aberto qual a proposta econômica e como deve ser implementada. Os velhos repetem os dogmas marxistas, mas a experiência anterior fracassou. A única opção real é o mercado capitalista e é onde a juventude quer trabalhar. Se na revolução francesa havia o iluminismo, agora, com o marxismo sob fogo cerrado, não temos nada. Falta suporte ideológico e vence o individualismo.

Ato noturno pelo "não" na praça Sintagma, em 2015

O que se busca é um novo modelo, uma proposta de governo e não omissão diante da realidade. Por exemplo, a alternativa do PT no Brasil e a experiência argentina diante da dívida, com a redução forçada, foram completamente diferentes. Os gregos puderam avaliar as duas saídas, assim como as dificuldades da Venezuela, mas não têm autonomia da moeda, o que lhes dá muito menos margem de manobra. Tsipras foi eleito com 1/3 dos votos e não tem maioria no Parlamento, mas não se omitiu e deu ao povo o direito de participar e decidir sobre o futuro. Deu exemplo para toda a Europa.

Os que propõem a omissão podem ser puros de espírito, mas não se mostram como alternativa aos olhos da população, porque é do Estado que todos, mas em particular os mais pobres, vítimas da voracidade do sistema, esperam algum apoio. É o Estado que dá rumo à vida das pessoas, mesmo que limitado pelo modelo que está sendo implantado pelos rentistas do mundo todo. Ninguém tem esperança que lá se façam milagres, mas ao menos não se entrega o galinheiro à raposa. Os bolcheviques participaram da Duma e tantos outros honestos representantes sempre participaram e se candidataram aos governos.

Se todos pensarem que só devemos fazer alguma coisa para preparar a revolução dos sonhos, a alternativa não seria a produção de textos e sim a formação de um exército, porque para subverter o Estado precisamos de armas e batalhas, como mostram os persistentes grupos do Oriente Médio e, notadamente, os palestinos, que lutam pelo quê?? Por seu Estado, o Estado Palestino. O problema é que, tanto lá como cá, estamos na luta, mas ainda meio confusos sobre como vencer a guerra. O adversário tem armas, união e ideologia. Nós temos boa vontade, quando muito.

Publicado em:crise econômica

Você pode se interessar por: