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Por um verdadeiro estado de emergência

Cartaz do minicurso Por um verdadeiro estado de emergência

O coletivo Interludium, reflexões anticapitalistas tem o prazer de divulgar neste site as cinco aulas do minicurso sobre o pensamento do filósofo alemão Walter Benjamin, organizado pelo grupo Desvios entre abril e maio de 2010. O curso “Por um verdadeiro estado de emergência” contou com especialistas e professores que estudam e simpatizam com pensamento de Benjamin, como Isabel Loureiro, Gilberto Bercovici, Caestarlos E. J. Machado, Jeanne Marie Gagnebin, Maurício Cardoso, José Sergio Fonseca, Jorge Grespan e Paulo E. Arantes, e teve um imenso público.

Na abertura do curso, o grupo Desvios divulgou um resumo de seus objetivos ao promover a série de debates, com a perspectiva de discutir a contemporaneidade das ideias do filósofo alemão:

O que significa ler Walter Benjamin hoje?

Walter Benjamin já havia diagnosticado com precisão a “pobreza de experiência” do mundo contemporâneo. Guerra mundial e ascensão do nazismo faziam do estado de emergência uma regra. Hoje sabemos que para a destruição da experiência e para o estado de emergência como regra “a pacífica” existência cotidiana nas nossas grandes cidades é o suficiente.

Iniciamos nosso curso “Por um verdadeiro estado de emergência” com estas palavras do filósofo italiano G. Agamben a fim de nos questionarmos: o que significa ler Walter Benjamin hoje? Crítico do romance alemão, leitor atento de escritores franceses como Proust e Baudelaire, historiador da modernização urbanística europeia, pensador do fim dos modos de vida comunitários, teórico da filosofia da história universal negativa e/ou da história fragmentária que vê nos fracassos do passado um “encontro secreto” com nosso presente… Onde ele ainda pode ser considerado nosso contemporâneo?

Pela multiplicidade de objetos investigados e pela multiplicidade de influências que o pensador alemão absorveu ao longo de sua vida, acreditamos estar diante de um pensamento de difícil interpretação e classificação: judaísmo messiânico, romantismo revolucionário, marxismo heterodoxo… Ou seria uma articulação de todos esses “ismos”?

Enfim, nós – o grupo Desvios – acreditamos que, longe de simples classificações, será nossa capacidade de dar ouvidos às exigências teóricas e políticas do presente que responderá em que medida Walter Benjamin está do nosso lado.

Acompanhe os vídeos de todas as aulas:

Marcha por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht em Berlim
Marcha por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht em Berlim, em 1978. Foto de Hans-Joachim Spremberg, via WikiMedia Commons (CC BY-SA 3.0 DE).

Abrimos nosso curso discutindo o contexto histórico da Alemanha nas primeiras décadas do século 20. Demos a esta mesa o título de “República de Weimar e o Estado de exceção”, com o intuito de melhor entendermos como a força do contexto histórico forçou Walter Benjamin a torcer as categorias do pensamento a fim de apresentar um diagnóstico de tempo e de perceber que a catástrofe que se desenhava não era fruto de um acidente, mas sim a regra do mundo contemporâneo.

Os debatedores foram a filósofa Isabel Loureiro, professora da Unicamp, colaboradora da Fundação Rosa Luxemburgo e autora de Rosa Luxemburg, os dilemas da ação revolucionária (Editora Unesp/Perseu Abramo, 2004) e A Revolução Alemã (Unesp, 2005), e Gilberto Bercovici, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e autor de Constituição e Estado de Exceção Permanente: Atualidade de Weimar (Azougue Editorial, 2004). A mediação foi do historiador Danilo Chaves Nakamura, hoje membro de Interludium.

Parte 1, Parte 2, Parte 3, Parte 4, Parte 5, Parte 6, Parte 7, Parte 8.


Variações sobre foto de Walter Benjamin em 1929
Variações sobre fotografia de Walter Benjamin tirada em 1929 por Charlotte Joël.

Como pensar a arte num registro pós-aurático? Ou ainda, como pesar a arte nas suas atuais condições produtivas? Reprodutibilidade técnica e ruptura com conceitos tradicionais como: criatividade e gênio, validade eterna e estilo, forma e conteúdo, etc.

Diante do avanço do uso da estética como campo privilegiado da estetização da política, seja pelos fascistas, seja pelas democracias ocidentais, Walter Benjamin procurou ver no advento da técnica a possibilidade de fazer política.

Digamos assim, lá onde o fascismo explorava secretamente a representação artística em nome de uma minoria de proprietários, Benjamin via uma brecha para a expropriação e o uso da arte como momento decisivo das exigências revolucionárias da classe trabalhadora. A fim de aprofundar esse debate, nós – grupo Desvios – apresentamos a mesa intitulada “Arte e técnica: estetização da política ou politização da arte”, com a participação do professor Carlos Eduardo Jordão Machado, do Departamento de História da Unesp de Assis, autor dos livros As formas e a vida. Ética e estética no jovem Lukács (1910-1918) (Editora Unesp, 2004) e Um capítulo da história da modernidade estética: debate sobre o expressionismo. Ernst Bloch, Hanns Eisler, Georg Lukács e Bertold Brecht (Unesp, 1998), e do historiador Fernando Sarti, como mediador.

Parte 1, Parte 2, Parte 3, Parte 4, Parte 5.


Lápide de Walter Benjamin na Espanha
Lápide de Walter Benjamin en Portbou, na España. (Klaus Liffers /WikiMedia Commons, CC BY-SA 3.0).

“No final da guerra, observou-se que os combatentes voltavam mudos do campo de batalha, não mais ricos, e sim mais pobres em experiência comunicável. E o que se difundiu dez anos depois, na enxurrada de livros sobre guerra, nada tinha em comum com a experiência transmitida de boca em boca.” (Benjamin, Walter)

Numa análise histórica do mundo contemporâneo, Walter Benjamin diagnosticou que a experiência de choque vivida pelos sobreviventes que voltavam das trincheiras das guerras modernas (1° e 2° Guerras Mundiais) tinha como resultado a impossibilidade de lembrar. Trauma que marcava também a incapacidade de narrar um evento de forma coerente e grávido de sentido.

Cito Benjamin novamente: “Raras vezes dá-se conta de que a relação ingênua entre ouvinte e narrador é dominada pelo interesse em reter a coisa narrada. O ponto chave para o ouvinte desarmado é garantir a possibilidade da reprodução. A memória é a capacidade épica por excelência. Só graças a uma memória abrangente pode a épica, por um lado, apropriar-se do curso das coisas e, por outro, fazer as pazes com o desaparecimento delas – com o poder da morte.” (Benjamin, Walter)

É no sentido de aprofundarmos esse debate e repensarmos a intima ligação entre memória e narração na modernidade capitalista que convidamos para falar na mesa “Memória e experiência de choque” a professora da PUC e da Unicamp Jeanne Marie Gagnebin, autora de inúmeros textos sobre a obra de Walter Benjamin, como História e narração em Walter Benjamin (Perspectiva, 1994) e Walter Benjamin: Os Cacos da História (Brasiliense, 1982). A mediação esteve a cargo do historiador Victor Vigneron.

Parte 1, Parte 2, Parte 3, Parte 4.


Walter Benjamin nos anos 1930
Walter Benjamin nos anos 1930, por Charlotte Joël.

Imbuídos das ideias que expusemos no texto inicial do curso, pensamos em organizar esta mesa para discutir a educação na contemporaneidade. Conformidade da universidade com o Estado, ciência como escola profissionalizante e objetivo do conhecimento desvinculado de um compromisso com o ser humano inteiro… É esse o terreno educacional desenhado por Benjamin em 1915.

Cito o autor: “É um equivoco desenvolver exigências isoladas, enquanto cada uma delas, em sua realização, ficar privada do espírito de totalidade; mas apenas um fato deve ser destacado como notável e espantoso: na instituição da universidade, à semelhança de um gigantesco jogo de esconde-esconde, professores e alunos passam uns pelos outros sem nunca se enxergarem. O estudantado, que não tem o status do funcionalismo público, fica sempre atrás do professorado, e a base jurídica da Universidade, personificada no Ministro da Cultura – nomeado não pela universidade, mas pelo soberano –, é uma correspondência semivelada da instituição acadêmica com os órgãos estatais, por cima das cabeças dos estudantes (e, em casos raros e felizes, também dos professores).” (Benjamin, Walter, A vida dos estudantes)

Semelhança com nossa atual universidade à parte – inclusive hoje faz três anos da ocupação da reitoria da USP –, nós, do grupo Desvios, convidamos os professores José Sérgio Fonseca de Carvalho, da Faculdade de Educação da USP, e Maurício Cardoso, do Departamento de História da USP, para debater na mesa intitulada “Educar diante do abismo”, a fim de compreendermos, com a ajuda do pensamento de W. Benjamin, a educação no mundo contemporâneo onde não sabemos onde termina o surto de insanidade social e começa a rotinização do impensado. A mediação foi de Taís Araújo.

Parte 1, Parte 2, Parte 3, Parte 4, Parte 5.


Detalhe do quadro Ciclo da Primavera II, de M.K. Čiurlionis
Detalhe de “Ciclo da Primavera II”, de M.K. Čiurlionis, capa do livro “Walter Benjamin: aviso de incêndio”, de Löwy.

Terminamos hoje o curso sobre o pensamento de Walter Benjamin, “Por um verdadeiro estado de emergência”, com a mesa “Mudar o Tempo: Exigências do verdadeiro estado de emergência”. Como debatedores teremos os professores Jorge Grespan, do Departamento de História da USP, autor de O negativo do capital (Hucitec, 1998), e Paulo Eduardo Arantes, do Departamento de Filosofia da USP, com mediação de Rafael Pachiega.

Longe de querermos antecipar a reflexão dos dois debatedores, cremos que seja proveitoso relermos duas citações que inspiraram o grupo Desvios a pensar o curso.

Cito: “A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ [Ausnahmezustand no original; state of emergency na tradução inglesa] no qual vivemos é a regra. Precisamos chegar a um conceito de história que dê conta disso. Então surgirá diante de nós nossa tarefa, a de instaurar o real estado de exceção; e graças a isso a nossa posição na luta contra o fascismo tornar-se-á melhor. A chance desse consiste, não por último, em que seus adversários o afrontem em nome do progresso, como se esse fosse uma norma na história. O espanto em constatar que os acontecimentos em que vivemos ‘ainda’ sejam possíveis no século XX não é nenhum espanto filosófico. Ele não está no início de um conhecimento, a menos que seja o de mostrar que a representação da história de onde provém aquele espanto é insustentável.” (Benjamin, W. )

E mais: “Alarme de incêndio. A representação da luta de classes pode induzir em erro. Não se trata nela de uma prova de força, em que seria decidida a questão: quem vence, quem é vencido? Não se trata de um combate após cujo desfecho as coisas irão bem para o vencedor, mal para o vencido (…) A história nada sabe da má infinitude na imagem dos dois combatentes eternamente lutando (…) Se a eliminação da burguesia não estiver efetivada até um momento quase calculável do desenvolvimento econômico e técnico (a inflação e a guerra química o assinalam), tudo estará perdido. Antes que a centelha chegue à dinamite, é preciso que o pavio que queima seja cortado.” (Benjamin, W.)

Parte 1, Parte 2, Parte 3, Parte 4, Parte 5, Parte 6, Parte 7, Parte 8.

Publicado em:teoria

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6 Comentários

  1. Fátima Costa de Lima

    Este projeto se torna em 2013 uma fonte
    indispensável para pensarmos o “estado de
    emergência” brasileiro.

  2. Atilio Borges Neto

    ótima exposição e discussão dos temas levantados acerca de Benjamin e seus contemporâneos,e se eu pudesse realizar uma indagação, ela seria a seguinte: Se a arte pode ser estetizada, ao modo do nazismo, ela também não poderia tornar-se politizada pelos mesmos meios, ou seja, se há procedimentos ideológicos para estetizá-la não se pode usar tais procedimentos igualmente para politizar?

    • Danilo Nakamura

      Acho que sua pergunta é central no pensamento benjaminiano. O perigo da estetização da política estava dado com o nazismo, assim, para ele, cabia a esquerda pensar a politização da arte. O grande exemplo dele era o cinema soviético e uma demanda popular em participar, ser produtor dessa arte que estava sendo experimentada.

      O destino histórico do socialismo real, no entanto, é um bom ponto de vista para avaliar essa aposta do Walter Benajmin.

      • Atilio Borges Neto

        O que você mencionou como uma diretriz no modo de politização da arte é significativo, porém caro Danilo, acredito que o próprio Benjamin não tinha lá uma boa definição para um processo de politização que de fato pudesse ser bem sucedido, em A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica, Benjamin expõe que essa tarefa cabia aos comunistas e ele também cita o teatro pedagógico de Brecht como um meio de politizar.Contudo, o que de fato era o comunismo para o qual ele se dirigia? Era a esquerda Alemã com Rosa Luxemburgo como sua protagonista ou os modelos fora da Alemanhã? E quem seriam os comunistas capazes de tentar uma obra politizada naquele período histórico? Lendo o ensaio da reprodutibilidade técnica essas questões me surgem como algo que suspeita do sentido real desse politizar a arte, perante as palavras de Benjamin esse politizar não fica claro. Cara, você possui algumas ideias a essas indagações, se sim, quais seriam. Se seu texto ficar extenso, por gentileza, manda no meu e-mail: tekstito@gmail.com
        Valeu pelos seus comentários, por exemplo, eu não sabia a respeito do cinema soviético com relação ao Benjamin.

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