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O eclipse da política

A universidade resistiu ao primeiro autoritarismo, sobreviveu ao segundo; ainda não há sinais de que esteja decididamente enfrentando o terceiro, até pelo contrário, parece ter assumido a modernização tecnocrática como perfil definitivo. (…) Se confirmada, essa “velha senhora” não morrerá com dignidade.
(Franklin Leopoldo e Silva)

“Ninguém está acima da lei”, declarou Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, após o conflito ocorrido entre estudantes e policiais no estacionamento da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. O conflito começou depois que três estudantes foram detidos portando maconha. “Não se pode tratar a USP como se fosse a cracolândia”, protestou Fernando Haddad, ministro da Educação, diante do “autoritarismo dos estudantes” que ocuparam a reitoria, mas também contra os possíveis excessos do uso da força policial paulista para resolver o conflito entre os manifestantes e os gestores da universidade.

O que está em jogo nessas duas boutades do discurso político? Ou melhor, como equacionar as palavras pragmáticas do governador, que afirma uma vigência da lei para todos os indivíduos, com as palavras do ministro, que parece querer distinguir a vigência da lei para os estudantes e para os viciados em crack que perambulam pelo centro de São Paulo?

Apontamentos sobre o lugar da história em ‘O Capital’ de Marx

§ 1 – Minha comunicação tem como objetivo apontar para o lugar da história no Livro I d’O Capital. Seguindo Ingo Elbe, em Marx im Westen: die neue Marx-Lektüre in der Bundesrepublik seit 1965 (2008), tentarei contextualizar as quatro maneiras em que a história é considerada, a saber: a) o duplo modo em que a história é considerada dentro do modo de apresentação lógico-sistemática: 1) o conteúdo especificamente histórico das categorias; 2) as condições estruturais da dinâmica histórica que se desdobram dentro da formação capitalista, mas cujos resultados não são dedutíveis; b) o duplo modo como a história é considerada como limitação da forma de análise lógico-sistemática: 3) a contingência histórica de um acontecimento singular que não provém necessariamente das estruturas fundamentais do sistema; e 4) o devir histórico externo ao sistema, mas incorporado ao conceito de capital como a pressuposição para a autorreprodução do sistema. Minha hipótese é que essa contextualização me permitirá apontar para a tentativa marxiana de demonstrar o sistema capitalista como um sistema finito e para a dimensão do político implícita nessa tentativa.

Reificação e organização política em ‘História e Consciência de Classe’

O objetivo deste trabalho não é dissertar sobre o que Lukács “realmente disse” em História e Consciência de Classe. Nossa intenção é simplesmente buscar uma apresentação sintética de algumas ideias do livro com o intuito de levantar perguntas, questionar a validade de algumas afirmações e, principalmente, tentar defrontar algumas verdades contingentes do período em que o livro foi pensado com os dilemas atuais. Destacaremos o problema da organização política.

Brasil: O triunfo da experiência sobre a expectativa

“As noites cegas são poderosas, mas nós, nós somos a sua paciência”

Victor Serge

Stefan Zweig (1881-1942), autor que de tempos em tempos é relembrado aqui no Brasil por ter reforçado a mitologia de que somos o país do futuro, volta a merecer citações após recente edição da revista The Economist, intitulada Brazil takes off. As 14 páginas da edição são divididas em oito artigos com títulos no mínimo sugestivos: “Getting it together at last”, “Breaking the habit”, “Survival of the quickest”, “Arrivals and departures”, “Condemned to prosperity”, “The self-harming state”, “A better today” e “Two Americas”.1“Finalmente está dando certo”, “Mudança de hábito”, “A sobrevivência do mais ágil”, “Chegadas e partidas”, “Condenado à prosperidade”, “O autoflagelo do Estado”, “Um presente melhor” e “Duas Américas”. Estas e as demais traduções são da revista Carta Capital.

De forma resumida podemos assim apresentar os artigos: O Brasil – que sempre foi visto como o país do futuro, mas que em seu passado não soube aproveitar as oportunidades – vive desde 1994 “a real miracle” com a implantação do Plano Real, a disciplina nas finanças e nos gastos públicos, um maior controle nos bancos e fundos, as privatizações de companhias públicas, as reformas para concessão de crédito e na lei de falência, etc. Com esse milagre, iniciado pelo governo Fernando Henrique Cardoso e continuado pelo governo Lula, o Brasil se tornou mais seguro e previsível para os investidores e as companhias brasileiras puderam competir no mercado exterior (Petrobras, Vale do Rio Doce, Embraer, Gerdau, CSN, Perdigão, Sadia, JBS-Friboi, Odebrecht, Camargo Corrêa, Votorantim, Natura e outras).

A obscuridade da experiência contemporânea

Nos dias de hoje dizer que o intelectual vive numa torre de marfim soa como uma espécie de preconceito ultrapassado. Como bem lembrou Roberto Schwarz nos anos 1990: “Nunca fomos tão engajados.” Tão empenhados na administração pública, num partido, num departamento da universidade, numa firma de pesquisa, num sindicato, numa associação de profissionais liberais, no ensino secundário, numa ONG, num setor de relações públicas, numa redação de jornal, etc.

Também é preciso dizer que hoje a procura tácita dos intelectuais por seus supostos interlocutores está completamente modificada – se tivermos como paradigma os séculos XVIII, XIX e início do XX – com a integração cultural e política daqueles que um dia podiam ser chamados de excluídos.

E assim sendo, como pensar o engajamento intelectual nos dias de hoje em que o modo de vida capitalista se torna cada vez mais insuportável e, ao mesmo tempo, cada vez mais inquestionável (pensar um novo modo de vida hoje soa tão ridículo como os sonhos do personagem dostoiévskiano)? Voltando com a ideia do pensador isolado em sua torre de marfim? Sendo responsável dentro de uma instituição e fazendo realpolitik? Ou então, bancando certo radicalismo sem a contrapartida de uma sociedade em movimento, ou seja, fazendo lobby de si mesmo?

Por que estamos sozinhos?

Manifestação da USP

Quando a crise econômica se evidenciou com toda a sua força no sistema financeiro, em meados de setembro de 2008, circulou num jornal de grande divulgação de São Paulo uma coluna com uma constatação pertinente, a de que estamos diante da primeira crise global do capitalismo sem adversário. Nesse contexto novo, é pertinente perguntar pelo desdobramento político da crise. Apesar da previsão de alguns economistas de que, no plano econômico, ela se estenderá em razão das características do dólar como dinheiro mundial e dinheiro de crédito, podemos afirmar que, no plano político, hoje o que a população mais anseia é pela resolução breve da crise, pelo retorno do crescimento econômico e do nível de emprego.

Faço essas considerações soltas apenas para trazer para a reflexão esse anseio da população por uma certa “normalidade” não problematizada, pois, analogamente, entrando aqui diretamente no nosso assunto, toda vez que funcionários, professores e estudantes entram em greve, o que a maioria da população dentro da universidade anseia é pelo retorno à normalidade das aulas e pesquisas. Em geral, a população universitária já se acostumou com as greves, encarando-as como uma “anomalia” restrita aos períodos de negociação salarial, à qual, pelo menos na maioria das vezes, os estudantes se juntam incorporando “reivindicações abstratas”. Em geral também, essas reivindicações são feitas por uma minoria dos cursos da área de humanidades. A pergunta sobre a qual gostaria de refletir é por que a agitação política se restringe, salvo algumas exceções, à área de humanas? Meu objetivo aqui é apenas sugerir por que essa pergunta é pertinente e esboçar a seguinte resposta: essa agitação política aparece como uma anomalia localizada na área de humanidades, mas é, essencialmente, o resultado histórico da falta de uma reflexão no país sobre a formação de um sentido integrador das diferentes dimensões da experiência humana.

O termidor da Revolução Russa

Toda revolução, no sentido próprio do termo (adquirido a partir da Revolução Francesa), é uma crise de dominação de uma classe social. O conjunto de acontecimentos que constituem tal crise põe em movimento um processo de derrubada de uma classe social dominante. Evidentemente, tal tendência pode não se realizar e a dominação em vigor pode sobreviver à crise; ou pode se realizar a meias, dando origem a uma dominação renovada, em que parte das classes sociais antes subalternas passa a partilhar o poder com parte da classe previamente dominante (como ocorreu na Revolução Inglesa). Mas no caso em que a revolução se desenvolve até suas últimas consequências há uma mudança qualitativa nas relações de dominação, trazida pelo exercício do poder por uma nova classe social.