Lucio Barcelos*
De acordo com matérias divulgadas na imprensa, o governo federal, em acordo com o Senado da República (será mesmo uma res-pública?), tenta, mais uma vez, em nome de uma “neutralização do rombo” que seria criado com o cumprimento do disposto na Emenda Constitucional 29 – que originalmente obrigava a União a disponibilizar 10% de suas receitas tributárias brutas para o Sistema Público de Saúde –, disponibilizar 10% de suas receitas tributárias líquidas.
Traduzindo em números, significaria que o governo federal, ao invés de disponibilizar R$ 120 bilhões para a saúde, disponibilizaria R$ 63,8 bilhões. Isto é, reduziria em praticamente 50% os recursos que a União colocaria na saúde pública.
E é bom não esquecer que esse dispositivo da EC 29 vem de longa data. A União, conseguiu, numa manobra parlamentar, eximir-se de colocar os seus 10% das receitas tributárias brutas. E criou-se a Lei Complementar 141, que altera a EC 29 para o seguinte texto: Art. 5º A União aplicará, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, o montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, apurado nos termos desta Lei Complementar, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual. Deu para entender? A União coloca o montante “empenhado” no ano anterior, mais a variação do PIB. Considerando que o PIB brasileiro tem tido um crescimento ridículo, na real, a União não acrescenta praticamente nada no orçamento da saúde.
Esse bando de políticos e governantes sem a menor vergonha na cara deveria parar de financiar, com juros subsidiados do BNDES, as grandes empresas/corporações que vivem desse tipo de subterfúgio. Aí sobraria dinheiro para a saúde. Diga-se de passagem, até o dia de hoje (13 de agosto de 2013) a população pagou a quantia de 968 bilhões e 658 milhões de reais. Desse total, 767 bilhões e 551 milhões (79,24%) ficam com a União. Dá para acreditar que não tem recursos para a saúde? Para financiar estádios de futebol, que custam mais de 1 bilhão, tem dinheiro. Para a saúde, não!!!!
A saúde, assim como a educação, são DIREITOS de todos os cidadãos que vivem neste país. O que, na vida real, significa nada. Cada vez mais, tanto o sistema de saúde como o sistema de educação estão mais sucateados e mais privatizados, servindo aos fins lucrativos das grandes empresas dessas áreas fundamentais para o desenvolvimento de nossa nação.
Para finalizar: em 1980 a União participava com 75% do financiamento da saúde pública, em 1991, com 73%, e em 2011 ela contribuiu com apenas 47% do financiamento público total. E, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, em 2009 o gasto médio público com percentual do PIB de países da organização foi de 5,5%. O Brasil tem um gasto de apenas 3,7%.
Acrescente-se a isso o Programa Mais Médicos, que independentemente das posições da categoria médica, prima pela precarização e desvalorização do trabalho de todas as categorias profissionais que trabalham na área da saúde.
Com essas artimanhas despudoradas, nós certamente não teremos um Sistema Público de Saúde que atenda com dignidade nossa população.
* O médico sanitarista Lucio Barcelos foi secretário de Saúde de Porto Alegre, Gravataí e Cachoeirinha. Hoje compõe o Conselho de Representantes do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul e é suplente de vereador pelo PSOL em Porto Alegre. Acompanhe seu blog Saúde em Pauta.