O período eleitoral permite uma avaliação política do momento e dá parâmetros para avaliar como os movimentos e as políticas governamentais impactaram sobre a população. As eleições de São Paulo, devido a suas peculiaridades e à posição que a cidade ocupa em relação ao país, permitem uma avaliação que extrapola os limites do município, dando condições de medir o clima no nível nacional.
No quadro atual nenhuma força política organizada nos partidos existentes tem a predisposição de buscar alguma mudança estrutural. Seu papel vem sendo ocupar o aparelho de Estado e de acordo com seus interesses permitir que a classe dominante use o Estado, numa atitude parasitária, garantindo a continuidade e a expansão de seus negócios. Essa postura, é bom lembrar, permeou a Carta aos Brasileiros, deu tranquilidade à classe dominante e tornou palatável a presença de Lula no Palácio do Planalto.
No primeiro turno, a eleição de São Paulo apresentou um quadro curioso, trazendo na liderança a figura do radialista Celso Russomano, tido como defensor do consumidor e detentor de um passado político que pode ser caracterizado como oportunista e truculento. Apresentou-se como candidato de um partido inexpressivo, porém que fazia parte da base de sustentação do governo Dilma. Do outro lado, entre outros, estavam os velhos contendores: PT e PSDB. O PT apresentou Haddad, um candidato desconhecido da população, mas bancado por Lula e Dilma. O PSDB apresentou Serra, velho conhecido da população paulistana e detentor de um alto índice de rejeição.
Apesar de os caciques acreditarem que os altos índices de Russomano cairiam assim que começasse a propaganda eleitoral na televisão, isso não aconteceu e Russomano, que até então não era alvo de maiores ataques, mantinha-se na primeira posição, deixando alguns desesperados.
Ao contrário do que muitos supunham, o eleitorado de Russomano não era o dito “povo conservador de São Paulo”. Seus votos concentravam-se na periferia e tiravam votos do PT em seus tradicionais redutos, em áreas que foram beneficiadas nos governos Marta e Erundina. Os votos de Serra eram os mesmos de sempre, vindos das áreas centrais, da classe média que nutre um grande preconceito em relação ao PT. Essa classe média, apavorada quando vê trabalhadores começando a viajar de avião e trocar de carro, sente-se ameaçada. A classe média, com sua falta de identidade, pretende ser burguesia e acredita que isso acontece quando ela tem um carro igual ao do patrão. Não entende que o que caracteriza a burguesia é a detenção dos meios de produção e não a marca de seu carro.
O partido que nesta eleição representava os principais segmentos da burguesia era o PSDB, apesar de alguns setores se aconchegarem junto a Lula, como mostra a “adesão” de Maluf. Algumas restrições eram feitas ao nome de Serra, mas apesar disso a classe dominante colocou sua imprensa e seus recursos nessa campanha.
O alto grau de aprovação dos governos Lula e Dilma refletiu-se nos altos índices que os candidatos da base aliada obtinham nas pesquisas, os votos de Russomano, Haddad e também de Chalita, do PMDB. Russomano apresentava-se como um dos candidatos da base aliada!
A política do “bem-estar social” levada à frente pelo PT, destinando pequena parcela do PIB para programas sociais e adotando uma política agressiva de créditos, levou os trabalhadores a desfrutarem de uma situação de conforto que não possuíam antes deste governo. Ao mesmo tempo, os privilégios do mercado financeiro e do agronegócio foram garantidos. Os movimentos sociais foram em grande parte controlados e colocados na área de influência do governo, seja através de privilégios garantidos ao aparelho sindical, seja com a distribuição de cargos no Estado a setores que tinham influência sobre esses movimentos sociais.
A burguesia quer gerir seu Estado, mas em determinadas situações é obrigada a delegar essa tarefa para outros, e é o que vem tendo que fazer no Brasil de hoje. O PT não é mais, afinal de contas, aquele partido radical, mudou seu discurso e sua prática. Nota-se que ele não usa mais a palavra trabalhador e sim povo pobre. Isso busca escamotear a luta de classes. A palavra trabalhador leva à ideia de um elemento ativo na luta de classes, com uma função no modo de produção, enquanto povo pobre é apenas povo pobre.
Mas o candidato do lulismo em São Paulo era o Haddad e não o Russomano. Em algumas capitais o lulismo não elegeu como seu candidato um militante do PT, como ocorreu, por exemplo, no Recife, quando o candidato natural do PT foi “detonado” em benefício do PSB, e no Rio de Janeiro, onde o candidato de Lula foi o candidato do PMDB. Em outras cidades ocorreram coisas semelhantes. A candidatura de Russomano tinha que ser destruída e sua própria fragilidade facilitou essa tarefa. Sem um programa consistente, no final do primeiro turno seu “vazio” e inconsistência foram colocados à mostra e o até então campeão de votos nem foi para o segundo turno.
O segundo turno das eleições pode mostrar uma consolidação do lulismo (não necessariamente do PT). Enquanto a crise não chegar ao Brasil e enquanto o governo federal continuar mantendo o quadro atual, essa situação deve permanecer.
A adesão inicial à candidatura de Russomano mostra uma aprovação à política do “bem-estar social”, porém mostra que uma alternativa ao PT é bem-vinda.
Vários articulistas, representantes da burguesia, querem fazer crer que o processo do mensalão teve influência no resultado das eleições. O mensalão não influenciou significativamente os resultados. Talvez parcelas mais intelectualizadas da classe média que votariam no PT tivessem sido influenciadas, mas isso não alterou em nada o panorama eleitoral.
O grande vitorioso desta eleição foi Lula. Isso não significa uma vitória do PT. A base de sustentação do governo teve a esmagadora maioria das prefeituras, tendo o PSB, o PDT e o PMDB obtido significativas vitórias, com apoio de Lula e Dilma. Lula aumentou sua influência e os partidos da burguesia que não se aproximaram do lulismo quase sumiram (PSDB e DEM).
Ótima reflexão. Não sei até onde vai esse castelo de cartas montado pelo Lulismo, a próxima crise mundial vai desvelar os antagonismos que estão sendo escamoteados.
O artigo aponta tendencias que nos dias seguintes ao final da eleição já começam a pautar as articulações políticas. Por exemplo, a ministra Martha Suplicy declara, publicado no Estadão, que quem se opõe ao Lulismo no PT vai se dar mal. Isso, demonstra que existe uma clara intenção do Lula de, ao tentar criar seus novos postes, desvincular-se daqueles que históricamente construiram o PT. Os “novos” nomes são oriundos dos aparelhos de estado e dependentes da máquina. Dessa forma, começa a consolidar-se a tendencia de submissão do partido aos interesses da burocracia estatal.