Lucio Barcelos*
Li uma matéria em um site da internet na qual o ex-delegado e torturador confesso Claudio Guerra se declara como o autor da explosão de uma bomba no jornal O Estado de S. Paulo, na década de 1980. Esse ex-delegado é o mesmo que, em 2012, em um programa de televisão (Observatório da Imprensa, da TV Brasil), declarou, ao vivo, ser o responsável pela morte de mais de cem militantes de esquerda e ter participado da incineração de 10 militantes em um forno de uma usina localizada na área da Grande Rio de Janeiro.
Agora, além de se declarar o acionador da bomba, ele declara que, a partir dos anos de 1973/74, os assassinados pelo regime civil-militar passaram a ser cremados, para evitar “problemas”. Reais ou não, tais informações necessitam de uma investigação e um esclarecimento completos. E o ex-delegado e torturador confesso deveria, ao menos, ficar detido até a total averiguação dos fatos.
Mas isso não vai acontecer, pelo simples fato de o ex-delegado estar protegido pela interpretação absurda da Lei da Anistia (Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979) no Brasil, onde os militares e o Estado se autoanistiaram.
Esta interpretação foi contestada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, posteriormente ao Acórdão do STF, que, de uma forma equivocada, dá guarida à autoanistia. Diz a Corte Interamericana de Direitos Humanos “as disposições da Lei de Anistia brasileira, que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos, são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação […], nem para a identificação e punição dos responsáveis[…].”
Agregue-se a esse fato a apresentação, na Câmara Federal, de um projeto de lei, de autoria da deputada Luiza Erundina (PL 573/2011) que objetiva a revisão da Lei da Anistia. Surpreendentemente (ou nem tanto), os deputados governistas rejeitaram o PL, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, com o argumento de que, com a existência das Comissões da Verdade, não seria necessário rever a Lei da Anistia. Só esqueceram de informar que a Comissão da Verdade não prevê o julgamento dos agentes do Estado responsáveis pelos referidos crimes.
Para finalizar, estamos (um grupo de entidades sindicais, ex-presos políticos e personalidades) engajados em um processo que objetiva dar vida a um projeto de lei de iniciativa popular com vistas à revisão da Lei da Anistia. Aquilo que parecia consenso e de fácil veiculação tem se mostrado um processo de difícil execução. Mas nós não desistiremos.
* O médico sanitarista Lucio Barcelos foi secretário de Saúde de Porto Alegre, Gravataí e Cachoeirinha. Hoje compõe o Conselho de Representantes do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul e é suplente de vereador pelo PSOL em Porto Alegre. Estudou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e no segundo ano da faculdade foi preso pela ditadura militar por defender a democracia.