O orçamento da Prefeitura de São Paulo para 2014, enviado pelo prefeito Fernando Haddad à Câmara Municipal, trouxe no pacote uma bomba-relógio que vai explodir nos bolsos da grande maioria da população no início do próximo ano: um pesado aumento de IPTU, justificado pela valorização dos imóveis na cidade nos últimos quatro anos e pela necessidade de subsidiar o serviço de transporte público, mantendo a tarifa congelada.
Para encarar o assunto de forma estritamente técnica, é necessário levar em conta dois aspectos muito importantes. O primeiro diz respeito ao ritmo desenfreado de verticalização imposto à cidade pela especulação imobiliária, tanto no centro como na periferia. Se é verdade que verticalização houve, omite-se que o adensamento habitacional por ela provocado já multiplicou a receita do IPTU muitas vezes, na medida em que substituiu poucos imóveis, alguns bastante depreciados e com baixa tributação de IPTU, por um número enorme de unidades empilhadas pagando muito imposto.
Esse aumento de unidades pagantes, consequência da verticalização dos bairros, não foi acompanhado de um planejamento eficiente de transporte coletivo, obrigando as pessoas a usarem seus veículos particulares para se locomoverem, o que levou a cidade a uma situação de caos no trânsito. Ou seja, o aumento da arrecadação com o IPTU gerado pelo adensamento não foi usado nas necessárias melhorias em infraestrutura urbana. As “competentes” autoridades municipais apenas compraram algumas latas de tinta branca para pintar as novas faixas exclusivas para os ônibus.
O segundo aspecto técnico a ser levantado contra o aumento baseia-se numa questão de justiça na tributação. O cidadão só pode pagar imposto sobre seus ganhos de capital quando estes são auferidos, jamais quando são presumidos. Isto é, se uma pessoa adquire um apartamento de R$ 200 mil e depois de cinco anos esse apartamento passa a valer R$ 500 mil, não quer dizer que ele tenha que ser tributado por isso, já que para ele o imóvel continua sendo de R$ 200 mil e não foi vendido a outrem. A própria Receita Federal tributa o ganho de capital apenas na venda, quando o ganho realmente existe. Uma valorização do bairro não quer dizer absolutamente nada em termos de ganho de capital para quem apenas mora no imóvel. Nada garante que essa pessoa tenha renda para arcar com um imposto caro por algo que já adquiriu há muitos anos.
Afora o aspecto técnico, fica ainda mais absurdo quando se vê que na grande maioria dos bairros quase nada muda e a sensação geral é de que o IPTU é uma verba a fundo perdido. Será que essa imagem é tão falsa assim?
Com certeza não e basta ir fundo na proposta orçamentária para notar aspectos que assustam de fato.
O transporte público é o vilão?
Em primeiro lugar, temos que falar do transporte público que se esconde na caixa preta da SPTrans e ver se é justo pagar como subsídio quase R$ 1,5 bilhão, valor que está sendo usado como pretexto para aumentar o IPTU de todos.
Na planilha de custos disponível no sítio da SPTrans, a tarifa base atual seria R$ 4,13. Como está sendo cobrado o valor de R$ 3,00, há uma diferença de R$1,13 a ser repassada às empresas para cada um dos 125 milhões de usuários mensais. Esse valor se materializa na transferência pela prefeitura para o caixa da SPTrans de uma média de R$ 100 milhões mensais em 2013, como consta no demonstrativo publicado mensalmente, para complementar o pagamento das concessionárias. Ora, se for cobrado esse valor do usuário, ou seja R$ 4,13, para muitos trajetos inferiores a 25 quilômetros de ida e volta, uma única pessoa no seu carro sai mais barato.
Evidentemente há algo estranho e exagerado nesses valores. Não seria o caso de, ao invés de penalizar toda a cidade, buscar um sistema de transporte com maior transparência, pagando as concessionárias por quilômetro em substituição ao obscuro sistema por passageiro? E, principalmente, onde está a promessa de campanha do Haddad sobre o passe mensal? Esqueceu, ou o transporte só era ruim e caro na época da eleição?
Cada paulistano pagará R$ 5.100,00 para a prefeitura em 2014
Mas os absurdos não param por aí. O “bolo” da receita municipal é composto de três fontes básicas, quais sejam, impostos e taxas cobrados no município, repasses dos governos estadual e federal e convênios diversos. Todas juntas totalizam quase R$ 51 bilhões para 2014 e mostram que cada um dos 10 milhões de habitantes da cidade (bebês, crianças, homens ou mulheres) pagará, sem saber, quase R$ 5.100,00 por ano para a prefeitura funcionar.
Se acompanharmos a evolução da receita municipal de 2010 a 2013, veremos que houve um salto de 35%, de R$ 13 bilhões para R$ 17,5 bilhões na arrecadação de impostos e taxas. Mas a voracidade das autoridades municipais é tal que a proposta orçamentária para 2014 prevê uma arrecadação de R$ 20,4 bilhões, ou seja, um aumento de 16,5%. Como o ISS está preso a alíquotas fixas e limitado pela atividade econômica, o aumento vem basicamente do IPTU.
Acrescente-se que os repasses dos governos estadual e federal, no mesmo período, cresceram 28%, atingindo R$ 14,6 bilhões em 2013. E tem mais: só em repasses chamados “de capital” dos governos estadual e federal por convênios, pularemos de R$ 5,5 bilhões em 2013 para R$ 9,2 bilhões em 2014, contra “apenas” R$ 2,7 bilhões em 2010.
Não há, portanto, que falar em escassez de recursos. São montanhas de dinheiro disponível, todas listadas na proposta orçamentária, mas acompanhadas de um cinismo indescritível nas alegações da dificuldade em gerir a cidade.
Claro que fica difícil administrar quando é necessário repassar recursos exagerados às empresas de ônibus por um serviço sofrível, e reservar quase 10% da receita para juros e amortização da dívida, que representa a quarta maior destinação de recursos, ficando abaixo apenas de educação, saúde e, pasmem, previdência social dos funcionários públicos, essa também com um comprometimento de R$ 7 bilhões que, sabemos, esconde muitas aposentadorias milionárias e ilegais.
Ou seja, só os juros e a previdência dos funcionários consumirão em 2014 mais do que todo o repasse que será feito pelos governos estadual e federal. E pior, só os juros, que merecem um estudo à parte, representam quase 3 vezes o valor do subsídio destinado para o transporte, que é apresentado como o vilão do momento.
Enfim, qualquer um que leia a proposta orçamentária percebe que é um jogo de cartas marcadas, no qual o congelamento da tarifa de ônibus está sendo usado de forma desleal e falsa para justificar a continuidade da farra com recursos públicos praticada na Prefeitura de São Paulo há décadas e que o prefeito Fernando Haddad se recusa a mudar. Se ele optou por não mexer com aqueles que se beneficiam do dinheiro público, a alternativa encontrada para arrecadar mais foi enfiar a mão no bolso dos cidadãos.
Definitivamente, os “postes” do Lula, seja Dilma, seja Haddad, carecem de luz própria e sensibilidade para governar, sendo muito “influenciáveis” pelos grupos de pressão e lobistas que se dedicam a defender os interesses de seus patrocinadores.
ótimo artigo! com exceção da parte do bilhete único mensal, supor que ele seria um benefício significativo e sem ônus é erro de cálculo. eis aqui o debate: https://passapalavra.info/2013/04/75693/
Em relação ao comentário contra o bilhete mensal, eu não discordo. Apenas levantei o assunto porque foi uma bandeira de campanha e não se viu implantação além de um cadastro que fica escondido no site da SPTrans. Se o valor de R$ 140,00 for só para os onibus, não tem razão de ser porque o transporte exige integração com trem e metro. Porém, levanto a seguinte situação ilustrativa: o gasto de uma empresa com vale transporte de um funcionário que trabalhe de segunda a sexta e use onibus e metro é de R$ 9,30 por dia, o que multiplicado por 22 dias úteis totaliza R$ 204,60. Vamos, por hipótese apenas, pensar que o bilhete mensal integral (onibus+metro+trem) fosse de R$ 200,00 (seria o mesmo critério da integração de 50% de acréscimo) e que o vale transporte fosse pago por esse bilhete. O trabalhador teria todo o seu deslocamento extra trabalho, seja para lazer, seja para o que for, pago no vale transporte, sem custar nada a mais para ninguém. Embora seja longe do ideal, mostra que temos sem dúvida o pior modelo possível.
Recebemos uma série de comentários e críticas pelo e-mail e Facebook. Repassamos tudo para o autor responder…
Em geral, os comentários estão questionando o argumento do autor sobre o aumento do IPTU. Para os leitores, o autor não coloca que o aumento atingirá principalmente os bairros de classe média e alta. A maioria desses leitores considera que esse aumento progressivo cobra mais de quem tem mais e cobra menos de quem tem menos.
Alguns acreditam que se trata de uma medida para “distribuir renda”, “fazer justiça social”, pois, embora não seja o melhor dos mundos, essa ação da prefeitura terá efeito principalmente entre os que podem pagar mais.
Em breve colocaremos a resposta do autor.
Muitos leitores enviaram contribuições sobre o artigo que cometa o orçamento da cidade de São Paulo para 2014 e destaquei as principais criticas, sobre o que cometo abaixo:
1. Em primeiro lugar, em relação ao aumento do IPTU que onera bairros mais ricos para subsidio ao transporte. Na verdade não é assim, porque quase todos estão sendo penalizados, conforme o quadro síntese abaixo, extraído de uma justificativa enviada a Câmara Municipal pela Prefeitura.
total imóveis__________________ 1.528.348
redução ou aumento até 3%______ 8,40%
aumento de 3% até 10%__________ 18,11%
aumento de 10% até 20%_________ 25,52%
aumento de 20% até 30%_________ 47,97%
Como se vê, o aumento médio entre 20 e 30% atingirá quase metade dos domicílios e chegará a quase 75% para quem será majorado de 10 a 30% . Evidentemente que não vivemos no mundo ideal onde os “privilegiados” são 75% dos domicílios. Esse é o jogo nada limpo da prefeitura para justificar o aumento. Além disso, ela diz que temos que pagar a conta da planilha da SPTrans e temos que aceitar?
2. Quem partiu para usar parâmetros do direito tributário não fui eu e sim a prefeitura, porque como bem disse um dos comentaristas, o IPTU, embora resulte de um chamado valor venal, tem como base o CUSTO do terreno, da construção lá edificada, do padrão construtivo e os equipamentos urbanos lá disponibilizados. Eu pergunto: o que mudou para melhor nos bairros da cidade de São Paulo que justifique uma mudança de parâmetros? Se houve mudança, foi para pior. Então, eles dizem que houve valorização no mercado imobiliário o que remete ao ganho de capital. Mais ainda, muitos estão se esquecendo de um detalhe perverso: muitos dos imóveis são alugados e o IPTU é encargo do inquilino, que nem é dono da propriedade. É justo que eles sejam penalizados?
3. Uma critica sobre a confusão entre repasses dos governos estadual e federal, não procede. Quando estabeleci o calculo de R$ 5.100,00 por habitante usei o numero de habitantes da cidade, considerando toda a receita arrecadada no município. E isso é a pura verdade. O calculo estaria errado se fosse aplicado a uma cidade pequena que recebe mais de repasses do que arrecada, que é a maioria dos municípios brasileiros. Porém quando se fala principalmente das capitais, a conta inverte. O que SP recebe da federação é apenas uma parte do IPI, Imposto de Renda, etc, que “envia” para Brasilia. Da mesma forma, o que recebe do governo estadual é apenas um percentual do ICMS gerado na cidade. Então, na verdade, o paulistano paga muito mais do que R$ 5.100,00, mas apenas considerei aquilo que vai diretamente para a prefeitura.