A luta de uma mãe em busca de seu filho
Zuzu Angel foi uma das mais importantes estilistas e figurinistas da história da moda no Brasil. Após o desaparecimento de seu filho, Stuart, Zuzu realizou em 1971 um desfile-protesto no consulado brasileiro em Nova York. Suas criações estilísticas incorporaram elementos que denunciavam as arbitrariedades do governo militar.
Stuart Edgar Angel Jones era filho do estadunidense Norman Jones e de Zuleika Angel Jones, mais conhecida, no Brasil e no mundo, como Zuzu, estilista e figurinista. Stuart era estudante de Economia na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e bicampeão carioca em remo pelo Clube de Regatas Flamengo.
No fim do anos 1960 e início dos anos 1970, momento de endurecimento da ditadura, especialmente após a decretação do AI-5 (Ato Institucional nº5), Stuart passou a militar no MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), contra a repressão e pelo fim do regime militar instaurado em 1964.
O militante
Stuart foi preso por agentes do CISA (Centro de Informações da Aeronáutica) em 28 de setembro de 1971, e levado para um recinto clandestino no bairro do Grajaú, região norte do Rio de Janeiro.
Ele foi encaminhado para interrogatório sobre seu suposto envolvimento com o guerrilheiro Carlos Lamarca, chefe do MR-8 e um dos grandes procurados pela ditadura. Negando qualquer vínculo com Lamarca, o militante foi brutalmente torturado e veio a falecer dias após seu desaparecimento, por insuficiência respiratória e intoxicação por gases letais de acordo com o último relatório da CNV (Comissão Nacional da Verdade) em 2013.
Na noite de sua morte, Zuzu recebeu uma ligação do grupo revolucionário ao qual Stuart pertencia. Na ligação, um dos integrantes havia informado que “Paulo (codinome usado por Stuart) havia sido preso. Sem entender muito bem do que se tratava, mas tendo em mente que seu filho participava da luta contra o regime militar, foi em seguida para a delegacia à procura de Stuart. A partir daquele momento, Zuzu passou denunciar à imprensa e a órgãos internacionais as arbitrariedades praticadas pela ditadura.
Ainda em 1971, realizou um desfile-protesto no consulado brasileiro em Nova York. Suas criações estilísticas incorporavam elementos que denunciavam a situação, com estampas representando tanques de guerra, canhões, pássaros engaiolados, meninos aprisionados, anjos amordaçados e muitas outras formas utilizadas pela estilista na denúncia do desaparecimento de Stuart.
Uma estilista enfrenta a ditadura
Zuleika Jones foi uma das mais importantes estilistas e figurinistas da história da moda no Brasil. Nasceu em 5 de junho de 1921, na cidade de Curvelo (MG). Casou-se com um estadunidense com o qual teve 3 filhos. Morou um tempo nos Estados Unidos e após se separar, realocou-se no Rio de Janeiro em busca de independência e reconhecimento profissional.
Na década de 1950, após trabalhar 10 anos como costureira, financiou seu primeiro ateliê de moda. Seu estilo inovador misturava renda, seda, fitas e chitas (como temas regionais brasileiros) com estampas de pássaros, borboletas e materiais como bambu e madeira, representando uma identidade nacional. Sempre próxima de pessoas abastadas e que reconheciam seu trabalho, conseguiu expandir seu negócio, começando a realizar desfiles em Nova York (EUA). Zuzu sempre expunha em seus desfiles cores vívidas e quentes, passando a desenhar, estilizar e pintar suas próprias peças de roupa. Foi ela quem cunhou no Brasil o termo “fashion designer”.
Entretanto, a prisão, tortura e desaparecimento de seu filho Stuart produziram uma virada em sua vida. Zuzu Angel passou a usar o seu talento na moda como principal ferramenta de denúncia do desaparecimento de seu filho.
O desfile-protesto de 1971
No dia 13 de setembro de 1971, no Gotham Hotel em Nova York, Zuzu Angel lançou de surpresa o desfile chamado “The Helpless Angel”, fazendo menção ao desaparecimento de seu filho e tornando o caso público internacionalmente.
No desfile, Zuzu Angel fez uso de cores frias e materiais como penas e cristais. O design dos pássaros de ponta-cabeça, alguns engaiolados, e outros com penas caídas, retornavam na ideia do paradeiro de seu filho, como um prisioneiro em busca de liberdade. Além de estampas com tanques de guerra e representações de mordaças, remetendo às arbitrariedades do governo brasileiro.
O “desfile-protesto” foi considerado um crime pela ditadura, por passar uma imagem ruim do Brasil para países no exterior. A repercussão foi tão grande que ganhou primeira página no The Montreal Star (“Designer de moda pede pelo filho desaparecido”) e no Chicago Tribune (“A mensagem política de Zuzu está nas suas roupas”).
Além do desfile, Zuzu recolheu diversos depoimentos e documentos que demonstravam a responsabilidade do estado brasileiro pelo desaparecimento e morte seu filho. O ex-guerrilheiro Alex Polari, por exemplo, preso no mesmo local que Stuart, conta em uma carta, que o jovem filho de Zuzu havia sido amarrado em um carro e arrastado por todo o quartel, levando golpes e chutes na barriga e sendo obrigado a colocar sua boca no escapamento do carro e aspirar os gases tóxicos. Jogado posteriormente em um espaço no quartel, seu corpo foi encontrado horas depois sem vida.
Esse depoimento foi levado por Zuzu até o senador estadunidense Edward Kennedy, que prosseguiu com o caso até o Congresso dos Estados Unidos, no qual foi posteriormente arquivado.
“Quem é essa mulher que canta sempre esse lamento?”
A busca de Zuzu pelo corpo de seu filho só teve fim no momento de sua morte. Na noite de 14 de abril de 1976, o carro de Zuzu derrapou na estrada da Gávea, próximo à saída do Túnel Dois Irmãos, hoje batizado com seu nome.
Uma semana antes do acidente que causara sua morte, Zuzu enviou uma carta a Chico Buarque e Marieta Severo. Na carta Zuzu dizia: “Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho.”
Chico Buarque lançou em 1981 uma música em homenagem a Zuzu Angel. A canção composta pelo cantor e por Miltinho descreve a luta e a força de Zuzu em busca de justiça por seu filho. A música se chama Angélica, e está disponível em toda as plataformas de streaming.
Em 1998, a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, estabelecida pelo governo federal três anos antes, julgou o caso e reconheceu o regime militar como responsável pela morte da estilista. Segundo depoimentos, ela foi jogada para fora da pista por um carro pilotado por agentes da repressão.
(*) As imagens do Arquivo Nacional foram obtidas no WikiMedia Commons.