Lucio Barcelos*
O “Estatuto do Nascituro”, aprovado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados em 5 de junho, representa um retrocesso aos direitos das mulheres sem precedentes históricos. Importante salientar que esse monstrengo já foi aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família. Para sua aprovação final deve ser votado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e, se aprovado, vai a plenário para votação final. O texto original é dos deputados Luiz Bassuma (PT-BA) e Miguel Martini (PHS-MG).
Em síntese, o “Estatuto do Nascituro”, em primeiro lugar, transforma a mulher de vítima em criminosa. O projeto estabelece que em caso de estupro a mulher não pode recorrer ao aborto para não conceber um filho resultante de um ato de violência. E não estamos falando de um ato de violência qualquer. Estamos falando de estupro, que é um ato bárbaro, perpetrado contra uma mulher indefesa. Muitas vezes uma adolescente ou uma criança. Ou seja, o “Estatuto do Nascituro” faz letra morta do artigo 128 do Código Penal, que protege e permite o aborto em caso de estupro ou de risco de vida da mãe.
Pois o “Estatuto do Nascituro” extingue um direito arduamente conquistado pelas mulheres, que é o de aborto em caso de estupro, como vale para outras situações de risco de vida da mãe. Nesse caso, vale mais o óvulo fecundado do que o direito da mulher.
Com o agravante de que, caso o estuprador venha a ser identificado, ele, em tendo condições financeiras, deverá pagar uma pensão para a mãe, até a criança completar 18 anos. Caso o estuprador não seja identificado, ou não tenha condições financeiras o “Estado” assume a responsabilidade de pagar o que foi apelidado de “BOLSA ESTUPRO”. Isto implica, no caso de identificação do estuprador, dar-lhe o estatuto de “pai” e obrigar a mãe a manter contato com essa figura abjeta. Imagine o caso de um estupro por um familiar, o que é muito frequente. Pai ou padrasto estuprando filha ou enteada. Como fica? A adolescente tem que parir o filho/irmão e conviver com o pai? Esse estuprador não deveria ser preso?
O aborto ilegal já causa 22% das mortes maternas. É a quinta causa de morte materna. Com a aprovação dessa monstruosidade, o número de mortes deverá duplicar ou triplicar.
É evidente que tamanha aberração não nasce do nada e não é aprovada nas Comissões da Câmara dos Deputados por mero acaso. O projeto de lei tem o forte apoio das bancadas evangélicas e, considerando que 2014 é ano de eleições presidenciais, devem existir acordos que nós não conhecemos.
Enfim, esse é o Brasil moderno, que aprova a internação compulsória para os usuários de droga (limpeza social) e agora está prestes a aprovar essa monstruosidade que retira direitos básicos e elementares das mulheres. Não é esse o Brasil que nós queríamos.
Junho de 2013.
* O médico sanitarista Lucio Barcelos foi secretário de Saúde de Porto Alegre, Gravataí e Cachoeirinha. Hoje compõe o Conselho de Representantes do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul e é suplente de vereador pelo PSOL em Porto Alegre. Acompanhe seu blog Saúde em Pauta.