Menu fechado

Destruindo para manter a ordem

Para analisarmos a greve de 2009, talvez seja necessário fugirmos das habituais avaliações – vitória ou derrota –, uma vez que não podemos dizer que saímos vencedores já que todos os problemas que nos levaram à greve ainda estão colocados (demissão de funcionário, ensino à distância, criminalização das mobilizações, estrutura de poder antidemocrática). Mas também não podemos dizer que saímos derrotados porque a greve, apesar dos seus limites, levou a público o debate sobre a crise da universidade pública no Brasil. Crise que não vem de hoje e – para ficarmos numa memória mais recente – tem íntima ligação com a greve de 2002 na FFLCH e com a ocupação da reitoria em 2007.

Crise? É ai que precisamos parar para pensar.

A cada ano a USP tem melhorado nos rankings e nos índices de produtividade e de excelência acadêmica. Os gestores e entusiastas do produtivismo acadêmico não cansam de enfatizar que a USP está entre as 100 melhores universidades do mundo e é a primeira da América Latina. Os departamentos, inclusive os de humanas, aparecem com boas notas nas avaliações da CAPES e do CNPQ. E os professores e estudantes, inclusive os de humanas, são verdadeiras máquinas (ou artistas) em matéria de produzir e reciclar papers, textos de divulgação, iniciações científicas, dissertações e teses, etc. E mais, apesar de ainda não representar um grande avanço do ponto de vista da economia nacional, a USP tem avançado na proteção de suas descobertas científicas, aumentando o número de patentes de forma considerável nos últimos anos.

Por outro lado, em 2002, a FFLCH revelou um problema estrutural de falta de professores e salas de aula. Para minimizar o problema foi necessária uma longa greve estudantil. Em 2007, greve das categorias e ocupação da reitoria devido aos decretos do governador que mexiam na autonomia universitária. E, em 2009, greve das três categorias contra o uso da força policial que entrou no campus para reprimir a greve dos funcionários. Violência que no dia 9 de junho se generalizou atingindo funcionários, estudantes e professores. Esse evento escancarou o abismo existente entre a estrutura de poder (conselho universitário e reitoria) e a comunidade acadêmica.

Há um paradoxo, que não devemos confundir com o argumento de que existem duas USPs (uma que dá certo e outra que dá errado), uma vez que a excelência dos números diz respeito ao modo de funcionamento da universidade como um todo e a valorização e desvalorização de determinadas áreas – que de certa forma determina a radicalidade e o tamanho das mobilizações nos diversos departamentos – nos remete à história da Universidade de São Paulo (precisamos pensar o que foi o projeto nacional onde a fundação da USP era parte importante. E também na derrota desse projeto e na presente readequação da USP à atual configuração do capital e do aparelho estatal) .

Enfim, a mudança (ou crise) da USP é o reflexo da inviabilidade de um projeto passado e, ao mesmo tempo, é o imperativo do movimento de um processo unificador e destrutivo. Hoje nossa resistência levanta a “falta de democracia na gestão da universidade”, mas terá que ir além se quiser entender a profundidade do divórcio entre produção de conhecimento e projeto coletivo de vida material.


Publicado em:política

Você pode se interessar por: