Lucio Barcelos*
Já manifestei, há pouco tempo, minha opinião a respeito da atual Lei da Anistia vigente em nosso país e, considerando que nada foi feito de objetivo para revisar ou “reinterpretar” essa malfadada lei, retorno ao tema, por considerá-lo de suma importância.
Ainda não entendi qual o papel das Comissões da Verdade (nacional e estaduais), e das comissões autônomas, que até o momento não tomaram nenhuma atitude concreta com o objetivo de propor um projeto de lei de iniciativa popular para dar um impulso concreto à revisão da Lei da Anistia (ou de pressionar o Poder Legislativo para que o faça).
Aqui no Rio Grande do Sul constituímos um “Comitê pelo Fim da Impunidade aos Torturadores, seus Mandantes e Superiores”. Apesar de nossa insistência, não recebemos o apoio concreto de nenhum comitê, oficial ou não. Este Comitê foi constituído em dezembro de 2012 e, tendo em vista os bloqueios diversos e não formalizados, resolvemos ficar na expectativa de novos movimentos.
O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, já havia se manifestado contra a revisão da Lei da Anistia. Agora, para reafirmar a posição reacionária do governo federal, em matéria publicada na edição do jornal Zero Hora de domingo, 20.10.2013, o ministro da Defesa, Celso Amorim, reafirma que a alteração da Lei da Anistia não está na pauta do governo Dilma.
É importante lembrar que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, afirmou que a Lei da Anistia pode ser revista e até ser revogada, caso haja demanda junto ao STF. Nossos cumprimentos ao ministro Joaquim Barbosa.
Não conheço a história do ministro da Defesa, mas, pelo teor da sua afirmação, não foi submetido à tortura, como este articulista e outras centenas de jovens brasileiros no tempo da Ditadura, muitos inclusive assassinados.
O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo fato de que “as disposições da Lei de Anistia que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação (…), nem para a identificação e punição dos responsáveis (…)”, e os governos Lula/Dilma simplesmente ignoram a decisão desta Corte e, mais do que isso, vexatoriamente, o Brasil é o único país da América Latina que não julgou seus torturadores. Inclusive, na edição de 10.11.2013 da Folha de S. Paulo foi publicada entrevista com a socióloga peruana Sofia Macher, ex-integrante da Comissão da Verdade do Peru, na qual ela demonstra seu assombro com o fato de o Brasil ainda não ter revisto a Lei da Anistia, que protege agentes da ditadura.
Considero vergonhoso que por aqui os torturadores continuem gozando de toda a liberdade, apesar de terem torturado e assassinado centenas de jovens brasileiros que lutaram para combater o regime de exceção.
E ainda dizem que o governo federal é de esquerda. Imagine se não fosse.
Importante deixar claro que a pretensão de alterar a Lei da Anistia não tem nenhum lastro vingativo, o intuito é unicamente que se faça justiça. Se um torturador for julgado e inocentado pela Justiça brasileira, vamos acatar a decisão e aceitar o fato como consumado.
Ao menos esse bando de torturadores sairá da escuridão e prestará contas à sociedade.
Por outro lado, justiça seja feita ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pelos seus esforços para que seja alterada a nossa malfadada Lei da Anistia, pela qual os militares e órgãos civis da repressão autoanistiaram seus torturadores, que até hoje andam livres, leves e soltos, como se nada tivesse acontecido.
Para finalizar, é bom informar ao ministro da Defesa que a Comissão Nacional da Verdade (CNV) não possui, dentre as suas atribuições, o julgamento dos agentes do Estado responsáveis pelos referidos crimes. E o período de validade da CNV extingue-se em dezembro do ano em curso, a não ser que o governo federal decida ampliar seu tempo de validade. O que não parece ser o cenário mais provável.
* O médico sanitarista Lucio Barcelos foi secretário de Saúde de Porto Alegre, Gravataí e Cachoeirinha. Hoje integra o Conselho de Representantes do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul e é suplente de vereador pelo PSOL em Porto Alegre. Estudou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e no segundo ano da faculdade foi preso pela ditadura militar por defender a democracia. Acompanhe seu blog Saúde em Pauta.