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Por que estamos sozinhos?

Manifestação da USP

Quando a crise econômica se evidenciou com toda a sua força no sistema financeiro, em meados de setembro de 2008, circulou num jornal de grande divulgação de São Paulo uma coluna com uma constatação pertinente, a de que estamos diante da primeira crise global do capitalismo sem adversário. Nesse contexto novo, é pertinente perguntar pelo desdobramento político da crise. Apesar da previsão de alguns economistas de que, no plano econômico, ela se estenderá em razão das características do dólar como dinheiro mundial e dinheiro de crédito, podemos afirmar que, no plano político, hoje o que a população mais anseia é pela resolução breve da crise, pelo retorno do crescimento econômico e do nível de emprego.

Faço essas considerações soltas apenas para trazer para a reflexão esse anseio da população por uma certa “normalidade” não problematizada, pois, analogamente, entrando aqui diretamente no nosso assunto, toda vez que funcionários, professores e estudantes entram em greve, o que a maioria da população dentro da universidade anseia é pelo retorno à normalidade das aulas e pesquisas. Em geral, a população universitária já se acostumou com as greves, encarando-as como uma “anomalia” restrita aos períodos de negociação salarial, à qual, pelo menos na maioria das vezes, os estudantes se juntam incorporando “reivindicações abstratas”. Em geral também, essas reivindicações são feitas por uma minoria dos cursos da área de humanidades. A pergunta sobre a qual gostaria de refletir é por que a agitação política se restringe, salvo algumas exceções, à área de humanas? Meu objetivo aqui é apenas sugerir por que essa pergunta é pertinente e esboçar a seguinte resposta: essa agitação política aparece como uma anomalia localizada na área de humanidades, mas é, essencialmente, o resultado histórico da falta de uma reflexão no país sobre a formação de um sentido integrador das diferentes dimensões da experiência humana.

O termidor da Revolução Russa

Toda revolução, no sentido próprio do termo (adquirido a partir da Revolução Francesa), é uma crise de dominação de uma classe social. O conjunto de acontecimentos que constituem tal crise põe em movimento um processo de derrubada de uma classe social dominante. Evidentemente, tal tendência pode não se realizar e a dominação em vigor pode sobreviver à crise; ou pode se realizar a meias, dando origem a uma dominação renovada, em que parte das classes sociais antes subalternas passa a partilhar o poder com parte da classe previamente dominante (como ocorreu na Revolução Inglesa). Mas no caso em que a revolução se desenvolve até suas últimas consequências há uma mudança qualitativa nas relações de dominação, trazida pelo exercício do poder por uma nova classe social.

A Revolução Francesa de 1789

Cerco ao Palácio das Tulherias, em 10 de agosto de 1792.

A crise final da monarquia absolutista francesa nos últimos decênios do século 18 foi o estouro de contradições acumuladas ao longo de mais de 150 anos, decorrentes de suas próprias medidas contra a crise que atravessara na primeira metade do século anterior, na mesma época da Revolução Inglesa.

Luís XI (1461-1483) dera início à construção do Estado nacional francês, ao promover a burguesia das cidades comerciais e associá-la à administração do reino. Fizera-o para submeter os grandes feudatários, acostumados à rebeldia durante a Guerra dos Cem Anos, recém-terminada (1453). Mas, ao associar-se à burguesia mercantil, lançara as bases do Estado nacional, pois a nação é uma criação da burguesia. Em sua luta contra o particularismo feudal, Luís XI confirmara e ampliara as milícias burguesas das cidades – as quais colocaram à sua disposição uma poderosa infantaria (já dispondo de artilharia) –, que o tornaram menos dependente do serviço de hoste da nobreza. Ao mesmo tempo, os ministros burgueses de que se rodeara deram início a uma nova forma de administração do Estado, mais favorável aos interesses mercantis.

A pesada herança histórica da China moderna

Retomada de Anqing, durante a Revolta Taiping (1850-1864)
A retomada de Anqing, durante a Revolta Taiping (1850-1864)

Os romanos chamavam de Serica o desconhecido país de onde vinha a seda, intermediada pelos povos da Ásia Central e do Oriente Médio. Correspondia ao que hoje é a China do Norte, excluída a Mongólia. Ali, a partir de aproximadamente 1050 a.C., surgiram, no vale médio do rio Amarelo (Huang he), uma série de Estados que foram se estendendo para o sul, para o vale do rio Azul (Chang jiang, mais conhecido como Yangzi). Esses Estados foram pela primeira vez unificados em 221 a.C. e, pouco depois (202 a.C.), o império assim criado passou a ser governado pela dinastia Han, que, com um pequeno interregno entre 6 e 25 d.C., durou até 196 d.C., ou seja, durou quase 400 anos. Daí o uso do nome “Han” para designar etnicamente os chineses. Esse império, a partir de cerca de 100 d.C., passou a dominar mais uma área ao sul do rio Yangzi, hoje constituída pela província de Guangdong, onde está o importante centro econômico de Cantão. Todos os habitantes dessas áreas se consideram Han e falam línguas do grupo mandarim e algumas outras de características semelhantes, das quais uma, o mandarim de Pequim e províncias vizinhas, é a língua chinesa oficial. Mas nem todos os povos da China atual são Han ou mesmo se consideram chineses, e nem todos os habitantes da China atual são considerados chineses autênticos pelos Han.

Brasil 2000

Vito Letizia (*)

Comício pelas diretas-já na praça da Sé, em 25 de janeiro de 1984.

Talvez as grandes manifestações de 1984 contra o regime militar por eleições presidenciais diretas tenham sido o último lampejo de ilusões populares na nação brasileira. Elas apareceram pela primeira vez, como não poderia deixar de ser, em 1822, quando muitos acreditaram que a proclamada independência significaria o início da transformação do empreendimento mercantil colonial em país apropriável por todos os seus moradores. Naquele momento, mesmo entre os escravos brotaram esperanças, em parte alimentadas pela libertação dos escravos no Haiti.

Mas tudo foi submergido pela onda cafeeira, que veio reafirmar as relações sociais criadas na velha Colônia do açúcar. Entretanto, pode-se imaginar a força dessa primeira labareda pelo que custou apagá-la até 1845, apesar do impenetrável véu da catequese repressora que envolvia as forças vivas do país. Estas, em meio à penumbra reinante, chegaram a invocar o primeiro imperador como herói libertador. E até o mal desejado Sebastião encontrou seu altar nos espaços mais escuros.

A terceira oportunidade imperial americana

Charge de Carlos Latuff

Vito Letizia

Este artigo, escrito em 22 de abril de 2002, discute a ofensiva dos Estados Unidos contra o mundo islâmico, dentro de um contexto histórico.

Desde a Guerra da Secessão, as grandes guinadas na política externa dos EUA sempre foram deflagradas por explosões. A explosão do couraçado “Maine” em 1898, no porto de Havana (266 marinheiros mortos), abriu caminho à ocupação de Porto Rico e das colônias espanholas do Pacífico (mais a anexação do Havaí, reino nativo independente), logo seguida pela ocupação da zona do Canal do Panamá (1903), ao mesmo tempo em que antigas proclamações de certo direito ao lugar de potência hegemônica no continente americano entravam efetivamente em vigor.

Realidade e opinião sobre a URSS: no apogeu e após a queda

Um exame crítico da visão da esquerda sobre a URSS nos anos 1940, a partir de uma palestra de Mário Pedrosa.

Vito Letizia

Em 1946 o jornal “Vanguarda Socialista”, criado por um grupo de militantes ex-comunistas e ex-trotskistas, publicou uma série de palestras sobre a Revolução Russa e seus resultados, pronunciadas por Mário Pedrosa, jornalista e crítico de arte, antigo militante do Partido Comunista, depois da Oposição de Esquerda fundada por Trotsky, com a qual rompera em 1939.

Vale a pena comparar a impressão causada pela URSS triunfante do tempo de Stalin, mesmo entre militantes anti-stalinistas como Mário Pedrosa, com a perplexidade geral de hoje ante o desmoronamento inesperado daquela potência aparentemente imbatível.